candidatos a deputado federal que disputam a reeleição
ganharam quase dez vezes mais recursos nesta campanha do que concorrentes que
tentam ingressar na Câmara.
A adoção do orçamento secreto - revelado pelo Estadão -, a
aprovação com apoio geral do Congresso do fundo eleitoral bilionário e o
cenário de polarização têm sido desfavoráveis aos movimentos de renovação
política. As emendas (impositivas, individuais e de bancadas, além das de
relator) viraram cobiça e propósito dos partidos, o que dificulta o surgimento
de novos quadros. A montanha de dinheiro público e a forma com que os recursos
são distribuídos na eleição impedem mudanças, avaliam analistas.
Organizações como RenovaBR, Agora e Livres, além da Rede de Ação Política pela
Sustentabilidade (Raps), dizem ter dificuldades de competir com esses meios que
favorecem a manutenção dos atuais integrantes no Congresso. Neste ano, o índice
de tentativa de reeleição na Câmara é de 87%, um recorde. De um total de 513
deputados, 448 tentam seguir na Casa responsável pela representação do povo
brasileiro.
Conforme mostrou a Coluna do Estadão, com base em dados do Tribunal Superior
Eleitoral (TSE), candidatos a deputado federal que disputam a reeleição
ganharam quase dez vezes mais recursos nesta campanha do que concorrentes que
tentam ingressar na Câmara. O levantamento mostra que os candidatos com mandato
receberam, em média, R$ 1,8 milhão até o momento, enquanto os demais tiveram
receita, em média, de R$ 195 mil.
Segundo o TSE, são 10.629 candidatos à Câmara em todo o País - dos quais 2.867
disputam uma vaga para deputado federal pela primeira vez, segundo dados do
RenovaBR. Eduardo Mufarej, do movimento, criticou a disputa
"desigual" no País. Anteontem, ele alertou sobre a importância do
voto para o Legislativo. "Está muito clara a relevância do Congresso nos
próximos anos, e, para isso, realizarmos boas escolhas é fundamental. Dentro de
uma escolha desigual, com orçamento secreto e fundo eleitoral, mas, ao mesmo
tempo, contrapondo essa desigualdade com muita dedicação e muito empenho, conto
com vocês. Realizem seu papel de cidadãos e façam boas escolhas", afirmou
em vídeo nas redes sociais.
Diferença
Até agora, do fundão de R$ 4,9 bilhões, R$ 4,5 bilhões foram
repassados aos candidatos, sobretudo os que já estão no poder. Dados da
plataforma 72 Horas mostram que ao menos 35% dos postulantes não receberam
nenhuma fatia desse valor.
O cenário é ainda mais concentrado no caso do Fundo
Partidário, cujos valores podem ser usados para bancar impulsionamento de
conteúdos na internet, compra de passagens aéreas, advogados e contadores para
as campanhas. Desse total, apenas 10,5% dos postulantes foram beneficiados com
R$ 362,4 milhões já distribuídos pelos partidos. O valor total do Fundo
Partidário deve chegar a R$ 1 bilhão até o fim do ano.
Esses recursos também privilegiam candidatos à reeleição.
Políticos que já possuem mandato receberam proporcionalmente cinco vezes mais
recursos públicos do Fundo Partidário do que os novatos quando considerados
todos os cargos em disputa.
Esses candidatos
não apenas recebem mais dinheiro, como recebem primeiro. O pico de distribuição
dos recursos a postulantes que tentam reeleição ocorreu em 19 de agosto,
enquanto os novatos esperaram uma semana a mais para a maior fatia dos
valores cair na conta, mostra a plataforma.
Candidatos à reeleição também ganham com o fortalecimento
dos redutos eleitorais com o uso de emendas parlamentares. De 2019 a 2022, são
mais de R$ 117 bilhões empenhados - dos quais mais de R$ 52 bilhões
correspondem às emendas de relator - o chamado "orçamento secreto",
distribuído no governo Jair Bolsonaro (PL) para garantir o apoio no Congresso
sem transparência. No caso do Senado, dois terços dos candidatos à reeleição
foram padrinhos com esse tipo de repasse.
Historicamente,
mais da metade dos deputados federais se reelege Nas últimas três eleições, o
índice de renovação na Câmara oscilou entre 43,5% (2014) e 47,3% (2018),
sendo 46,4% em 2010. Neste ano, a expectativa é de que esse porcentual seja
maior, ou seja, mais deputados renovarão seus mandatos, segundo o cientista
político e diretor executivo do Livres, Magno Karl, por fatores econômicos e
políticos. "O fundão não tem democratizado a política, mas tem concentrado
o poder, colocando vastas quantidades de dinheiro na mão daqueles que comandam
hoje os partidos, como também desequilibrando a competição", afirmou
Além disso, o discurso dos políticos que estão no poder hoje
é voltado para "segurança", "estabilidade" e
"ponderação". Para Karl, além de haver uma renovação nos
representantes do povo, é preciso mudar a forma de se fazer política. "A
mudança por si só não traz resultado. A gente precisa qualificar a renovação
política não só removendo políticos que não têm muito a oferecer ao País, mas
também com conteúdo programático relevante."
Para o cientista político Leandro Machado, cofundador do
movimento Agora, a má distribuição de recursos pelos partidos leva a uma Casa
com ainda mais nomes conhecidos na política. "As cláusulas de barreira e a
origem dos recursos atrelada ao número de assentos (na Câmara) fazem com que,
agora, os partidos tenham de fazer deputados. Como fazem isso? Lançam nomes já
conhecidos que atuam como puxadores de votos e que já foram mandatários."
Machado também entende que a forma com que as legendas
distribuem os valores contribui para a manutenção do poder dos caciques
partidários e a existência de candidaturas laranjas. "Isso está expresso
em como o financiamento é destinado, como é distribuído, como as contas são
prestadas. Se (as cotas para mulheres) fossem 40% dos assentos (no Congresso),
e não 40% das candidaturas, o jogo mudava de figura."
Diversidade
Dados da plataforma 72 Horas também mostram que a
distribuição dos recursos derruba a possibilidade de renovação da diversidade
no Congresso. "Quando o tema é renovação, descobrimos que candidaturas do
eixo diversidade, que são mulheres, negros e indígenas, esperam mais tempo pelo
recurso. Além de receber menos proporcionalmente, eles recebem depois. Isso é
crucial", afirmou Fernanda Costa, uma das organizadoras da plataforma.
Na prática, os partidos não só não distribuem os valores de
maneira equânime, como também levam mais tempo para bancar as candidaturas.
"O dinheiro público não promove diversidade", disse Fernanda.
O apresentador Luciano Huck, um dos principais
incentivadores desses movimentos de renovação, fez um alerta durante seu
programa dominical, na TV Globo, para as eleições proporcionais. "Dia 2,
156 milhões de brasileiros vão às urnas escolher seus representantes. Neste
período de campanha, a gente costuma falar muito sobre os candidatos a
presidente e a governador. Mas hoje eu gostaria de encerrar o Domingão falando
da importância do seu voto na eleição para os membros do Legislativo -
deputados e senadores", afirmou o apresentador, que já teve a candidatura
para o Palácio do Planalto aventada.
Como mostrou o Estadão, esse tipo de candidatura é o que
representa a maior incidência da alienação (abstenção passiva e ativa) dos
eleitores nas urnas.
ODIA
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