Profissionais dão suporte à espera e ao nascimento de famílias formadas via judiciário. A atuação das doulas é fundamental para reduzir a 'devolução' de crianças aos abrigos
No começo de junho passado, em plena pandemia
de covid-19, a administradora de empresas Maria Aparecida Garcia, 45 anos,
recebeu a ligação pela qual esperou por quatro anos ao lado do marido, o
empresário Thiago Garcia, 34. Do outro lado da linha, uma assistente social da
Vara da Infância e da Juventude avisava que duas irmãs, de 8 e 9 anos, estavam
disponíveis para adoção na
região metropolitana de Pernambuco. De acordo com a posição do casal na “fila”
nacional de pretendentes e o perfil buscado, era a vez deles de manifestar
interesse ou não em conhecer as crianças (primeiro, por uma videochamada). “Meu
puerpério começou aí”, diz Maria, após diversas tentativas frustradas para
engravidar. “Fui tomada por várias emoções e só pensei em ligar para uma
pessoa: minha
doula.”
Geralmente esse tipo de profissional oferece apoio emocional
durante a gestação e acompanha o parto
normal ou cesárea. Contratar uma doula para o nascimento de uma família via
adoção é algo comum em países como os Estados Unidos, mas uma possibilidade
recente no Brasil. “Precisamos de atenção e escuta nessa maternidade também.
Ela vem de uma hora para outra, após um tempo de espera que pode ser bastante
angustiante e solitário”, diz a psicóloga Mayra Aiello, 36 anos, mãe de Maria,
hoje com 3 anos, e que chegou aos nove meses. Durante a própria etapa de
habilitação, Mayra percebeu que não havia no país um acolhimento especializado.
Em suas pesquisas na internet, descobriu uma brasileira que
se formou – e atuou até 2016 – como doula de parto e adoção na Califórnia
(EUA). Lá a legislação permite a chamada “adoção direta”. Quando uma genitora
manifestava interesse em entregar a criança, Marianna Muradas era acionada e
auxiliava da gestação à transição do bebê para a família adotiva. Mayra entrou
em contato com Marianna e insistiu que ela adaptasse a profissão para o
contexto do Brasil. Tempos depois, ambas compartilhavam o puerpério e
idealizavam o curso “Doulas de Adoção”, que capacitou quase 100 profissionais
desde a primeira turma, em fevereiro de 2020.
Um preparo diferente
“Na maternidade biológica, a gente sabe que vai nascer um bebê e costuma ter um
tempo para se preparar”, diz Marianna, mãe de Tom, 2 anos. “Na adoção, você só
descobre quem é a criança quando o telefone toca. Cuidar de outro ser muda
a rotina, gera privação de sono e até alterações hormonais. Quantas
devoluções de crianças adotivas são consequência de pais que se sentiam
solitários porque as pessoas ao redor não entendiam as especificidades da
adoção?” Autora do livro infantil Filho é filho (Editora Matrescência),
Marianna foi adotada aos cinco dias de vida e critica tanto o tabu quanto a
romantização do assunto.
Persiste, por exemplo, a visão de que tal parentalidade é
uma forma de ação social. De acordo com Mayra, a doula de adoção tem as
ferramentas para provocar reflexões sobre motivações, transformando “olhares
equivocados” em expectativas reais. A profissional pode ser contratada por
ciclos, oferecendo um pacote de atendimentos para cada fase do processo de
adoção. No início, costumam orientar nos trâmites processuais.
O casal Marieta Spada, cenógrafa, 37, e André Mizarela,
profissional de marketing, 47, do Rio de Janeiro, deu entrada na papelada há um
ano e contratou Mayra pouco depois. “Foi um alívio saber que eu poderia ter uma
doula também e discutir tantas questões subjetivas”, diz Marieta. “Entre outras
coisas, nos ajudou a chegar a um denominador comum no perfil”, diz André. Eles
indicaram no cadastro que não há preferência por gênero ou raça e aceitam uma
criança que tenha uma doença infectocontagiosa (como HIV), mas limitaram a
idade até 5 anos.
Fonte: Revista Crescer
Nenhum comentário:
Postar um comentário