Há mais
de um ano, o governo do Rio mantém, parado na conta, dinheiro que deveria ser
usado para a compra de câmeras portáteis a serem colocadas nos uniformes de
policiais. O montante faz parte de transferências que somam mais de R$ 20
milhões, realizadas entre dezembro de 2019 e junho de 2020 pelo governo federal
ao Fundo de Segurança Pública do estado, para ações de “enfrentamento à
criminalidade violenta”.
Segundo um plano de ação enviado pelo
governo do Rio ao Ministério da Justiça para liberação da verba, pouco mais de
R$ 5 milhões seriam gastos na compra das filmadoras e de repetidores de wi-fi e
com a contratação de um serviço para armazenamento das imagens. Até hoje,
porém, nem um real foi gasto e nenhuma câmera, adquirida.
O processo de compra das câmeras
começou no fim de 2019, quando o governo estadual criou o Fundo de Segurança
Pública e se tornou apto a receber verbas de uma reserva nacional mantida pelo
Ministério da Justiça com recursos arrecadados nas loterias. No entanto, para
receber o repasse, os estados deveriam enviar ao governo federal um plano de
ação descrevendo como o dinheiro seria gasto e de que forma os investimentos se enquadrariam no objetivo
do fundo.
Só depois de ter o plano aprovado um estado recebe o montante, que deve
ser gasto apenas nas atividades elencadas no plano de ação. Se o dinheiro não
for usado, não pode ter outra destinação e precisa ser devolvido.
A “modernização tecnológica através da aquisição de câmeras corporais” é
o primeiro item do plano de ação entregue pelo Rio. De acordo com o documento,
seriam gastos R$ 3.522.200,00 na compra de 1.600 câmeras. O número de
filmadoras atenderia, segundo a corporação, 60% do efetivo total presente nas
ruas do estado por turno de trabalho — cerca de 2.800 agentes. O restante da
demanda “será objeto de nova proposição de aquisição em momento oportuno, com
base nos resultados obtidos nessa primeira etapa”, de acordo com o plano de
ação. O documento também prevê a compra de 52 repetidores de wi-fi ao custo
estimado de R$ 48.289 — um para cada batalhão operacional — e a contratação de
um serviço de armazenamento de imagens a R$ 1.530.209,50.
Segundo o plano da corporação, a meta era adquirir “pelo menos 90% ou
mais dos equipamentos previstos em até 180 dias”. Havia ainda a expectativa de
que, em 12 meses, as câmeras já tivessem sido entregues. O documento foi
elaborado em setembro do ano passado.
Exemplo de São Paulo
Enquanto a aquisição caminha a passos lentos no Rio, câmeras
já estão sendo usadas em São Paulo e ajudam a diminuir estatísticas de mortes
em operações. Em junho, mês em que o programa alcançou 18 batalhões da Região
Metropolitana, o número de homicídios decorrentes de intervenções policiais
caiu 54% e chegou a 22, menor índice desde maio de 2013. Nos 18 batalhões que
receberam filmadoras, nenhum caso foi registrado em todo o mês.
O Rio tem números de letalidade policial maiores que os de São Paulo. Segundo
dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), em 2020, a polícia
fluminense teve uma taxa de 7,2 mortes por cem mil habitantes. As forças de
segurança paulistas registraram uma taxa quatro vezes menor, de 1,8. Ao todo,
no Rio, houve 1.245 mortes em ações policiais ao longo de 2020. Em São Paulo,
foram 814.
Apesar dos números, o Rio não tem sequer prazo definido para a instalação das
câmeras nos uniformes dos policiais. No mês passado, ao sancionar a lei que
determina o uso das filmadoras pelas polícias, o governador Cláudio Castro
vetou um artigo que estipulava um período de até dois anos a partir da
publicação para a implantação da tecnologia. Na ocasião, ele também vetou o
artigo que previa que qualquer cidadão envolvido diretamente em ocorrências
gravadas pudesse solicitar os registros de áudio e vídeo.
Carros novos
A lei sancionada por Castro complementa uma outra, aprovada
em 2009, que prevê a instalação de câmeras nas viaturas das polícias. Há três
anos, a determinação é sistematicamente descumprida pelo estado. Filmadoras
chegaram a ser instaladas nos carros da PM a partir de 2012. Porém, em 2018, a
frota da corporação foi renovada, e os novos veículos não têm câmeras.
Vale lembrar que, em 2014, foi justamente a gravação de um equipamento
instalado numa viatura que permitiu a elucidação do assassinato de um
adolescente de 14 anos. Seu corpo foi desovado no Sumaré por dois PMs.
Questionado sobre o motivo para o dinheiro estar parado no fundo há mais de um
ano, o governo respondeu, em nota, que “a documentação para a descentralização
do recurso” do fundo estadual para a PM “está em trâmite”. Segundo o Palácio
Guanabara, a corporação vai receber R$ 30,7 milhões e serão compradas “câmeras
corporais para policiais militares, munição, e 32 veículos”. Um processo de
compra já estaria em curso, “com previsão de licitação e contratação até início
de setembro”.
Já o Ministério da Justiça afirmou que monitora a aplicação da verba e
verificou que “não consta aplicação dos recursos por parte do Rio de Janeiro”:
“Caso o prazo seja encerrado, os recursos voltam para o Fundo Nacional de
Segurança Pública”, frisou.
Fonte: Jornal Extra
Nenhum comentário:
Postar um comentário