Desde que o Talibã invadiu o palácio presidencial em Cabul no dia 15 de
agosto e assumiu o controle do Afeganistão após quase 20 anos, o mundo vem
aguardando com apreensão as cenas dos próximos capítulos da crise política e
humanitária que assola o país.
O grupo fundamentalista é conhecido por violar os direitos
humanos e aplicar penas severas àqueles que infringem a lei islâmica, como cortar
as mãos de ladrões, executar assassinos em público, esmagar homossexuais sobre
a parede e apedrejar mulheres adúlteras.
Na primeira entrevista coletiva concedida pelo Talibã desde a tomada do
poder, realizada no dia 17 de agosto, um porta-voz do grupo afirmou
que, diferentemente de como ocorreu no período de 1996 até 2001, ninguém será
perseguido e meninas e mulheres poderão exercer seus direitos, como estudar e
trabalhar, mas "à luz da lei islâmica".
Para o professor de Direito da Unicamp (Universidade
Estadual de Campinas), Luís Vedovato, que estuda a crise do Afeganistão pelo
viés dos Direitos Humanos, as declarações não vieram como nenhuma surpresa e
não devem ser tomadas como verdade.
"Este não é o momento de o Talibã assumir qualquer
outra postura que não seja essa. Se um porta-voz faz uma declaração indicando
que haverá, sim, violações dos Direitos Humanos, seria muito mais fácil
mobilizar o mundo contra o grupo agora do que daqui a algum tempo, quando o
governo já estivesse estabilizado", afirma.
Vedovato ressalta ainda que o Talibã tem plena consciência
de que sua permanência no poder está ligada, acima de tudo, a sustentação
econômica do grupo — o que significa, necessariamente, fazer pontes e
alianças com outros países. Até o momento, China e Rússia, duas das maiores potências do mundo, já
sinalizaram apoio ao governo talibã.
Os países que reconheceram o Talibã como governo do
Afeganistão no passado — Emirados Árabes, Arábia Saudita e Paquistão —
eram mal vistos pelo resto do mundo e não conseguiam estabelecer relações
comerciais com nenhuma outra nação. Depois dos ataques às torres do World Trend
Center, em Nova York, em 11 de setembro de 2001, apenas o Paquistão continuou a
reconhecer o grupo como um governo legítimo.
"O Talibã precisa mudar essa imagem internacional se
quiser ter o apoio de outros países e continuar se mantendo financeiramente. Eu
duvido muito que qualquer nação teria reconhecido o novo governo caso eles
tivessem indicado que continuariam a violar os Direitos Humanos", diz.
Como deve ser a nova gestão?
O professor da Unicamp acredita o Talibã está agora diante
de uma nova formação e que tem como objetivo um projeto de poder que não está
meramente ligado a ideologia ou a religião. Ele imagina, portanto, que o grupo
se utilizará de discursos mais amenos para conseguir se sustentar e garantir um
país funcional economicamente, mas que a proteção aos Direitos Humanos ainda
seguirá ameaçada.
O porta-voz do grupo disse que o governo ainda está sendo
formado e que as leis só serão decididas uma vez que todos os cargos forem
devidamente distribuídos. Houve uma sinalização de que os direitos das
mulheres, o grupo mais vulnerável no Afeganistão, não seriam violados.
"Eles alegaram que as meninas poderão freqüentar a
escola, mas não deixaram claro qual escola e até que idade elas poderão
estudar, por exemplo. O que se sabe até agora é que as meninas terão direitos
'dentro da religião islâmica', mas isso não quer dizer muita coisa — pode
ser tudo ou pode ser nada", afirma.
Apesar do discurso menos radical, no dia 18 de agosto, houve
uma repressão violenta de manifestantes que protestavam contra o uso da
bandeira do Talibã no lugar da bandeira do país. Foram registadas pelo menos
três mortes e alguns feridos por tiros disparados para dispersar a mobilização
popular.
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