O tamanho ainda
impede que alcancem com firmeza o apoio da motocicleta. Mas isso não é problema
para os pais que passam por cima de todos os riscos para garantir o menor tempo
possível entre a garagem de casa e o portão da escola. Com mochila nas costas e
agarradas ao condutor — como se no trânsito agressivo do Rio o ato significasse
realmente proteção —, crianças enfrentam os perigos dos estreitos corredores
formados nos engarrafamentos e o tráfego intenso nos horários de entrada e
saída dos colégios. As estatísticas de acidentes com motos parecem não
intimidar quem lança mão da estratégia rápida. Além de liderar os números do
seguro DPVAT, as motocicletas também têm feito mais crianças e adolescentes
vítimas de acidentes na cidade. O Corpo de Bombeiros registrou um crescimento
de 59% no número de ocorrências com menores sobre duas rodas entre janeiro e
setembro deste ano em comparação com o mesmo período de 2012.
Foram 121 casos nos
primeiros nove meses de 2013 contra 76 em 2012. Os números não dizem de onde
são as vítimas, mas basta percorrer os colégios mais caros da cidade para ver
que as motocicletas não conquistaram somente moradores de comunidades pobres,
onde são comprovadamente uma febre. Caio de Souza Santos, de 11 anos, é aluno
do Colégio Cruzeiro, no Centro, e mora na Tijuca. O pai do menino, o empresário
Gustavo Adolfo dos Santos, de 39 anos, conta que roda com o filho na garupa,
diariamente, 70 quilômetros.
A moto está tão ligada
à rotina dos dois que a criança já se acostumou a carregar toda a parafernália
necessária — capa, capacete, bota e luvas — e, em dias de chuva, a praticamente
trocar de roupa na porta da escola. A opção pelo transporte foi feita pela
família há dois anos, quando Caio trocou de colégio.
— Não fosse a moto,
ele teria que sair bem mais cedo de casa. Além disso, não daria para fazer a
escolinha de futebol em Botafogo, por exemplo. Sei do perigo, mas é um mal
necessário. E sempre converso com ele sobre os riscos — explica o pai.
Idade mínima pode subir de 7 para 11 anos
Caio aprendeu a gostar
de moto ("é muito legal”) e, sentindo-se gente grande, até tira onda com
os amigos. Ele já passou da idade mínima permitida para menores andarem na
garupa da motocicleta, mas o assunto é polêmico. De acordo com o Código de Trânsito
Brasileiro (CTB), a idade mínima para transporte de menores em motos é 7 anos.
A desobediência é considerada infração gravíssima, sujeita à multa e à
suspensão do direito de dirigir. Mas um projeto de lei já aprovado pela
Comissão de Viação e Transporte da Câmara dos Deputados, em Brasília, pretende
elevar a idade mínima para 11 anos. A iniciativa partiu da Associação dos
Motociclistas do Estado do Rio de Janeiro (Amor-RJ) e está sendo analisada pela
Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado Federal.
— A proposta do
projeto foi elaborada a partir de pesquisas de acidentes que fizemos. Uma
criança de 7 anos não tem altura para alcançar a pedaleira e apoiar os pés.
Isso acarreta tombos, um atrás do outro — argumenta o presidente da Amor-RJ,
Aloísio Braz.
Na avaliação dele, a
moto ganha espaço por causa de um vácuo deixado pelo transporte público:
— E tem ainda o alto
custo do transporte escolar e a facilidade no trânsito. Só que existe o risco.
Temos conhecimento de acidentes horríveis. E muitos pais, por incrível que
pareça, amarram a criança na cintura, o que aumenta ainda mais os riscos.
A lentidão do trânsito
no Rio aumenta a procura pelas motos. Onde há concentração de escolas, como na
Rua Marques de São Vicente, na Gávea, e na Rua Cosme Velho, o vaivém de
crianças sobre o veículo é cena comum.
— A atenção tem que
ser redobrada, ainda mais com ela na garupa. Mas compensa. Não aguentava mais
perder quase uma hora para levar e buscar minha filha no colégio — justifica o
arquiteto Sérgio Lima, que diariamente vai levar e buscar a filha Sofia, de 10
anos, na escola, em Botafogo. — Já sou motociclista há muito tempo e, quando
ela completou 7 anos, passei a levá-la de moto.
As ocorrências
envolvendo motocicletas representaram 72% de todas as indenizações pagas pelo
seguro DPVAT (que indeniza vítimas de acidentes de trânsito) no primeiro
semestre deste ano. A alta incidência é ainda mais preocupante porque as motos
correspondem a apenas 27% da frota nacional. Os automóveis, que são mais de 60%
da frota, foram responsáveis por 23% dos benefícios pagos. Em 2012, ainda de
acordo com dados da seguradora, a faixa etária entre 7 e 10 anos era a que
tinha maior incidência de morte e invalidez entre crianças.
Chance de lesão é de 99% em caso de acidente
Fernando Pedrosa,
membro titular da Câmara de Educação e Cidadania do Conselho Nacional de
Trânsito, chama a alternativa de arriscada:
— É como trocar o
congestionamento pelo risco absoluto, independentemente de ser criança ou
adulto. A moto é um veículo mais perigoso, e qualquer choque tem 99% de chance
de resultar em alguma lesão, quando não na morte, mesmo em baixa velocidade. É
quase uma roleta-russa. E sendo uma opção de pais preocupa mais ainda, por
colocar em risco a vida do bem mais precioso.
Ele é a favor do
projeto de lei que pretende aumentar a idade mínima:
— A preocupação é
muito grande com a disseminação da motocicleta no Brasil. Hoje uma moto de
baixa cilindrada custa muito barato. O nordestino, por exemplo, está trocando o
jegue pela moto. Isso tem elevado os índices de acidentes e preocupa.
Eva Vider, professora
de engenharia de transporte da UFRJ, também defende que quanto maior a criança
mais seguro é o transporte em moto. Mas acredita que, com os devidos cuidados e
em trajetos curtos, a moto pode ser uma opção para driblar o trânsito
— Do ponto de vista da
segurança, e dependendo da distância, é uma alternativa para fugir do
congestionamento. Mas é preciso pilotar a moto com enfoque na segurança,
tomando bastante cuidado. E comprar todos os equipamentos de segurança para a
criança. Sendo assim, não vejo problema. É preciso atenção redobrada e escolher
rotas bem seguras — observa.
Materia O GLOBO
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