Episódios como o de Araçatuba, prática criminosa já antiga e recorrente, ganharam o apelido de "novo cangaço". Nada mais equivocado. O cangaço deve ser entendido como fenômeno social com hora e lugar: o sertão nordestino, da virada do século XIX para o XX até a morte de Lampião, na grota de Angico, em Sergipe, em 1938.
Em sua origem, o cangaço dizia
respeito a enfrentamentos políticos, não ao crime organizado. Foi Lampião, seu
último representante, que fez da atividade fora da lei um modo de ganhar a
vida. Mas um modo muito específico: o cangaceiro é, antes de tudo, um nômade.
Em grupo, é parte da infantaria. Na caatinga,
cavalos mais atrapalhavam que ajudavam, imagine veículos.
A tática do chamado novo cangaço guarda uma semelhança com a
turma que lhe rendeu o apelido: a prática de fechar cidades em suas ações. Mas,
de novo, é bom resguardar diferenças culturais e históricas. Lampião atacava
povoados – é dele a frase pela qual cangaceiro deve ficar longe de cidades com
igreja de duas torres – e a única tentativa de invadir uma cidade grande, Mossoró,
no Rio Grande do Norte, foi um fracasso retumbante.
Os métodos de Lampião, principalmente nos últimos dez anos
de atividade cangaceira, estavam mais próximos da máfia do que dos
"neo-cangaceiros": ele cobrava por segurança. Eram famosos seus
bilhetes ao ameaçar cidades e fazendas, pedindo pagamento para não agir. A
prática ganhou o apelido de "saque elegante".
Por fim, o cangaço, e em especial Lampião, sempre se
identificou com valores culturais e religiosos do nordestino e, por isso,
ganhou o reconhecimento de boa parte da população mais pobre. Por paradoxal, o
maior líder dos fora da lei da caatinga atuou várias vezes em parceria com os
coronéis do sertão, os donos do poder político.
Os feitos de Lampião e seu bando ganharam força na cultura
popular e de lá para as artes: virou tema de livros de grandes escritores
como Graciliano Ramos, esteve na pintura em obras de Portinari,
no teatro com Rachel de Queiroz e, principalmente, no cinema – da
Vera Cruz, passando por Glauber
Rocha até a retomada dos anos 1990. Hoje, o cangaço é parte da cultura
brasileira. Não vejo o mesmo futuro para os neo-cangaceiros.
*Wagner G. Barreira, jornalista e escritor, é autor de
'Lampião & Maria Bonita, uma história de amor e balas' (Planeta, 2018)
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