o Noroeste Fluminense, região com menor PIB do estado, a estrutura de trabalho ainda lembra a do século XIX, quando imigrantes ou ex-escravos ficavam presos a propriedades rurais devido às dívidas contraídas com os donos das terras. Hoje, em São José do Ubá, alguns trabalhadores das lavouras de tomate nem veem a cor do dinheiro, porque são os patrões que pagam as dívidas que eles acumulam em mercados e vendas.
Em São Francisco de Itabapoana, município do Norte Fluminense que tem maior percentual de...Foto: Gustavo Stephan / Agência O Globo
Em Sumidouro, 10,59% das crianças viviam na extrema pobreza, segundo dados do Programa das Nações...Foto: Márcia Foletto / Agência O Globo
Norte Fluminense: São Francisco de Itabapoana tem a agricultura como uma das suas principais...Foto: Gustavo Stephan / Agência O Globo
Carla Nascimento, em Itaocara, está grávida do sexto filho. Mas quatro deles ela já teve de...Foto: Gustavo Stephan / Agência O Globo
Zilma de Souza, em São José de Ubá, ganhar R$ 200 como cozinheira num restaurante, que junta aos R$...Foto: Gustavo Stephan / Agência O Globo
Matozinho Silva, morador de Ponte do Rio Negro, em São Sebastião do Alto, é um dos mestre da folia...Foto: Gustavo Stephan / Agência O Globo
Marinho e Kátia Periquito, na mansão onde moram, em Resende: município tem alguns dos melhores...Foto: Márcia Foletto / Agência O Globo
Mesmo em Resende, município com baixo percentual de miseráveis, famílias como a de Ana Lúcia...Foto: Márcia Foletto / Agência O Globo
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Mais grave ainda é quando há miséria de um lado e corrupção do outro. Em São Sebastião do Alto, na Região Serrana, que aparece na lista dos piores Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) do estado, em março o então prefeito Mauro Henrique Chagas (PT) foi preso em flagrante pela Polícia Federal, sob acusação de receber propina de empresa que faria obras nas áreas de saúde e saneamento. Enquanto isso, na zona rural do município, um dos mestres da folia de reis da região, Matozinho José da Silva, de 59 anos, sobrevive com R$ 79 do Bolsa Família, numa casa de estuque que, para pagá-la, deu em troca a sanfona, o pandeiro e o violão:
— A vida aqui não vai para frente nem para trás. E tem hora que descontrola tudo.
De descontrole, o casal Josimar Resende e Nazarini Moura, de Sumidouro, entende. Empregado até seis meses atrás, ele conseguiu construir uma casa com quarto, banheiro e cozinha. Mas, desde que perdeu o emprego, vive com os R$ 128 que a mulher ganha revendendo biscoitos. Semana passada, o almoço do casal era arroz. E uma salsicha.
— Só tem essa, vamos ter que dividir — resignou-se Nazarini.
O contraponto
Marinho e Kátia Periquito, na mansão onde moram, em Resende: município tem alguns dos melhores indicadores sociais do estado - Márcia Foletto / Agência O Globo
Privações como as vividas em cidades como São Francisco de Itabapoana são raridade em Resende, no Médio Paraíba. Estrategicamente localizada entre Rio e São Paulo, a cidade viu sua economia deslanchar depois de receber montadoras de automóveis na década de 1990. Foram oferecidos cursos profissionalizantes para qualificar a mão de obra da região. O resultado é uma cidade com pouca miséria à vista, e tranquilidade para os moradores de renda mais alta.
— Aqui, as pessoas mais pobres, que iriam para a construção civil, vão para as montadoras, se qualificaram. A cidade mudou muito de perfil, mas ainda tem clima de interior. De vez em quando, alguém fala que teve um assalto, mas eu durmo com a porta destrancada — diz Kátia Periquito, que mora num dos condomínios mais luxuosos da região.
Claro, no município também há pobreza. Assim como a miséria pode ser encontrada em menor grau, mas também existe em Nova Friburgo, na Região Serrana, e Comendador Levy Gasparian, no Centro-Sul Fluminense, cidades donas dos menores percentuais de pobreza extrema no estado, segundo os dados do Ministério do Desenvolvimento Social, com base no Censo de 2010 do IBGE. Nos dois municípios, eram apenas de 1,3% de miseráveis. Já em Porto Real, vizinha de Resende, no Médio Paraíba, esse percentual era de 1,4%. E, em Quatis, na mesma região, de 1,5%.
Onde o Bolsa Família pesa mais
Zilma de Souza, em São José de Ubá, ganhar R$ 200 como cozinheira num restaurante, que junta aos R$ 70 que tem do Bolsa Família - Gustavo Stephan / Agência O Globo
Aos 50 anos, Zilma de Souza trabalha a semana inteira. Não folga nem em dia santo e feriado. Ela é cozinheira num restaurante em São José de Ubá, no Noroeste Fluminense. Mas, sem carteira assinada, o que ganha por mês não passa dos R$200, muito distante do salário mínimo de R$788. Ela complementa a renda com R$ 70 do Bolsa Família. E só, na cidade com maior percentual da população recebendo o programa do governo federal. Segundo dados de janeiro de 2015, são 42,51% dos moradores beneficiadas, num município que tem o terceiro menor Produto Interno Bruto (PIB) do Rio.
- O que dificulta mais é que meu marido, que trabalhava na roça, sofreu um acidente de moto. Ele está em casa. E a família depende do meu dinheiro. É pouquinho, mas agradeço a Deus - diz Zilma, que mora no Morro do Pinhão, perto do Centro de São José de Ubá.
Um alto percentual de moradores recebendo o Bolsa Família, no entanto, não é exclusividade do município. Outros três tem mais de 40% da população beneficiada: Varre-Sai (41,64%), no Noroeste Fluminense; Silva Jardim (40,67%), nas Baixadas Litorâneas; e São Francisco de Itabapoana (40,24%), no Norte Fluminense. Todos têm índices próximos de estados como Pernambuco e Sergipe, no Nordeste, e do Pará, no Norte.
São pessoas como Cenilda Guilherme dos Santos, que recebe R$ 170 do programa, fundamental para as despesas da casa, em Barra de Itabapoana, no extremo norte de São Francisco de Itabapoana.
- O problema é que a inflação tem nos prejudicado muito na hora de ir ao mercado. Está tudo caro, e o que recebo dá para cada vez menos - diz Cenilda.
Em contraposição, os municípios com menos moradores cadastrados no Bolsa Família, proporcionalmente, são Resende (7,7% dos habitantes), Nova Friburgo (8,71%) e Niterói (9,82%).
Histórias da miséria
Carla Nascimento, em Itaocara, está grávida do sexto filho. Mas quatro deles ela já teve de entregar ao conselho tutelar - Gustavo Stephan / Agência O Globo
"Sofro desde o berço". A afirmação não é um exagero de Carla Nascimento. Com dias de vida, sua mãe a abandonou num curral de boi, na zona rural de São Sebastião do Alto, na Região Serrana. O primeiro bebê ela teve aos 17 anos e, hoje, aos 29, está grávida do sexto filho. Com problemas de alcoolismo, contudo, teve quatro deles retirados de seus cuidados pelo conselho tutelar. Agora, Carla vive com um único filho, o pequeno Luiz Otávio, de 3 anos, num recanto isolado de Itaocara, no Noroeste Fluminense, conhecido como Ponte da Jararaca. E não segura as lágrimas toda vez que lembra de seu passado.
Sem renda alguma, nem Bolsa Família, Carla só não passa fome porque tem a ajuda do pai, com quem vive, e da tia que a criou depois de ter sido abandonada no curral. O que não significa que ela encontre facilidades na vida. Roupa para o bebê que está prestes a nascer, ela não tem uma única peça. Dorme num sofá, enquanto seu pai descansa do trabalho na roça no chão. E, sim, embora viva numa região de propriedades rurais, com plantações ou criações de gado, às vezes a comida é escassa.
- Só às vezes dá para comer carne. A comida tem que ser angu e feijão - relata ela.
O último trabalho de Carla foi alguns meses atrás, como caseira num sítio em Teresópolis, na Serra. Mas de três meses trabalhados, ela só recebeu o salário do primeiro. E quando só tinha canjiquinha e taioba para comer, resolveu abandonar o serviço.
- Eu trabalhava e passava fome. Meu filho chorava o tempo inteiro, e acordava de noite com fome. Não resisti àquilo. Vim embora - diz ela. - Quando minha filha Dáfini nascer, vou ver o que Deus vai agir na nossa vida. Meu desejo é ter uma casa para mim e meus filhos, todos juntos.
Palavra de especialista
Em Sumidouro, 10,59% das crianças viviam na extrema pobreza, segundo dados do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, com base em dados do Censo de 2010 - Márcia Foletto / Agência O Globo
Chefe de Economia Empresarial do Sistema Firjan, Tatiana Sanchez apontou as característas dos municípios que apresentaram os piores resultado no último Índice Firjan de Desenvolvimento Municipal (IFDM), divulgado em 2014, referente a indicadores sociais de 2011. Segundo ela, os municípios com menor desenvolvimento têm seus principais problemas no mercado de trabalho e na saúde.
- No mercado de trabalho, não só é baixa a geração de vagas formais de emprego, bem como é baixo o nível salarial. Na saúde, os principais problemas estão na cobertura de consultas pré-natal e no número de internações que poderiam ter sido evitadas caso a atenção básica de saúde tivesse sido efetiva - diz ela.
Em Japeri, na Região Metropolitana, com o pior resultado no levantamento, a condição de desenvolvimento, aponta ela, é similar à de municípios do interior do Norte e do Nordeste.
- Além dos problemas comuns aos municípios de pior classificação no Rio, Japeri divide ainda com os municípios de menor classificação no Brasil questões como a baixa inserção da população em idade ativa no mercado formal de trabalho.
Já Santa Maria Madalena, na Serra, com a penúltima posição, tem baixa capacidade de criação de vagas formais. O que afeta também São Sebastião do Alto, na 90ª posição, e Varre-Sai, na 89ª.
Em outro índice que analisa os indicadores socieconômicos dos municípios, o de Desenvolvimento Humano, do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, Sumidouro, na Região Serrana, aparece no último lugar.
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