Por unanimidade, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) determinou ontem abertura de processo disciplinar contra o desembargador Ferdinaldo Nascimento, da 19ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Na mesma sessão, o CNJ também instaurou, em decisão unânime, processo administrativo para apurar se o presidente do Tribunal de Justiça da Bahia, Mário Alberto Simões Hirs, e a ex-presidente Telma Laura Silva Britto cometeram irregularidades no pagamento de R$ 448 milhões em precatórios —
títulos gerados a partir de dívidas do poder público com empresas e cidadãos, após reconhecimento da Justiça. Por 11 votos a quatro, o Conselho afastou os dois de seus cargos até o fim das apurações. Eles não poderão ter os benefícios da posição, como o uso de carro oficial, mas continuarão recebendo salários.
Nascimento, que não foi afastado do cargo, será investigado pela aquisição de um apartamento em área nobre do Rio em leilão público, por valor muito inferior ao praticado no mercado. Segundo o CNJ, mesmo se o valor fosse plausível, a participação de juiz em leilão afronta a legislação penal e o Código de Ética da Magistratura.
A partir de reportagem do GLOBO que revelou irregularidades em varas empresariais do Rio, o CNJ abriu várias investigações — entre elas o caso do apartamento do desembargador. Foi constatada a realização de "leilões condicionais" nos quais o leiloeiro recebia lances inferiores ao valor mínimo fixado pela Justiça e acabava entregando o imóvel a pessoas predeterminadas.
O apartamento do magistrado, segundo o corregedor do CNJ, ministro Francisco Falcão, foi arrematado nessas condições. A cobertura em um condomínio na Barra da Tijuca foi adquirida por R$ 313,5 mil em setembro de 2003. O valor abrange o lance vencedor, de R$ 215 mil, e débitos de condomínio e IPTU atrasados. O valor da avaliação, em maio de 2003, era de R$ 542 mil.
— A legitimidade do Judiciário decorre da reputação de honestidade dos seus membros. É absolutamente fundamental para a maturidade institucional brasileira que os magistrados sejam honestos e pareçam honestos — afirmou Falcão. — Da análise dos documentos constantes na presente reclamação, pode-se afirmar a existência de indicativos de grave violação aos deveres funcionais praticada pelo desembargador Ferdinaldo Nascimento.
O presidente do CNJ, ministro Joaquim Barbosa, concordou:
— O conselho está discutindo uma série de fundamentos, inclusive constitucional. Há uma questão atinente ao princípio da moralidade.
ACUSADOS NEGAM IRREGULARIDADES - A defesa de Nascimento alegou que o imóvel tinha 23 anos de idade, não tem vista para o mar e não tem entrada pela avenida principal, daí o motivo da ; compra por valor inferior. Afirmou também que a arrematação se deu de forma legítima, com a anuência de todos os envolvidos na falência, e que a suposta violação da lei estaria prescrita.
No caso do TJ da Bahia, há suspeitas de que os magistrados tenham determinado a aplicação de índices de correção indevidos para su-perfaturar os valores de precatórios. A defesa argumentou que os juizes não podem ser responsabilizados pelas irregularidades, porque o tribunal tinha setores específicos para calcular valores de precatórios. A defesa afirmou que a maior parte dos precatórios supostamente irregulares não foi paga.
Ontem o desembargador Hirs afirmou que ele e o Judiciário baiano estão sendo vítimas de perseguição do CNJ ao responsabilizar sua gestão e da desembargadora Telma Brito por pagamento a mais de precatórios. Segundo Hirs, os precatórios são de processos com trânsito em julgado.
— O que o CNJ quer agora é que eu mexa no trânsito em julgado, eu não posso mexer. O que eu posso fazer é ver se a conta está errada. O CNJ quer que eu mexa. E eu digo que não faço. A briga é essa — afirmou Hirs.
Em caso de condenação no processo administrativo, os dois podem sofrer punições que vão desde advertência até a aposentadoria compulsória. Um juiz só perde o cargo definitivamente se for condenado em processo judicial.
No julgamento, Francisco Falcão afirmou que foram verificados erros grosseiros nos valores dos precatórios. Segundo o ministro, um deles foi calculado pela Justiça em 1996 no valor de R$ 3 milhões. Hoje, o título é de R$ 290 milhões. Segundo as investigações preliminares, Hirs e Telma sabiam das irregularidades e não tomaram providências.
— Não há justificativa plausível para as irregularidades encontradas no Tribunal de Justiça da Bahia, relativas aos cálculos e pagamentos de precatórios. Aos magistrados, atribui-se omissão administrativa, no sentido de estarem cientes das irregularidades nos cálculos e, mesmo assim, os homologar — afirmou Falcão.
Para o ministro, o tribunal demora muito para julgar as causas, mas, em relação aos precatórios, atua "no mesmo ritmo de foguete da Nasa"
— Há expectativas éticas sobre a toga que levam a decidir em prol da sociedade. Impoluto é o adjetivo para o magistrado. A sombra de suspeita depõe contra a dignidade do Poder Judiciário — concluiu o corregedor. • Com a Agência A Tarde
O Globo