Treze municípios da região representam a menor participação do PIB do Rio
LAJE DO MURIAÉ, ITAPERUNA, SANTO ANTÔNIO DE PÁDUA E BOM JESUS DO ITABAPOANA (RJ) - Aos 15 anos, a ideia fixa de ir embora, atrás de oportunidades que não tem esperança de encontrar onde nasceu. Na pequena Laje do Muriaé, na divisa com Minas Gerais, o adolescente João Pedro da Silva enxerga no horizonte uma cidade que avança devagar, expremida entre morros, o Rio Muriaé e a RJ-116. Diz esperar apenas completar a maioridade para seguir os passos dos irmãos. Vai, segundo ele, para onde houver “serviço”. E, se concretizar sua vontade, contará uma história parecida com a de muitos jovens de Laje e de outros três municípios que veem sua população minguar no Noroeste Fluminense, como mostra a segunda reportagem da série “A outra margem do Rio”.
- Aqui não tem emprego. Há pouco o que fazer. Nem lugar para passear tem, porque a rua principal é, na verdade, uma estrada, por onde passam muitos caminhões, bem perto das casas - diz João Pedro. - Quero ir para Búzios, onde tenho parentes, ou qualquer cidade grande que tiver serviço - continua, convicto, o jovem estudante do 7º ano do Ensino Fundamental.
Nesse ritmo, entre 2000 e 2014, de acordo com dados do IBGE, Laje assistiu ao número de seus moradores reduzir 7,18%, de 7.909 para 7.341 habitantes, numa tendência contrária à do estado. Um fenômeno que acontece também em Miracema, Itaocara e Natividade, na mesma região, além de Duas Barras, Santa Maria Madalena e Cantagalo, na Região Serrana, e de Cardoso Moreira, no Norte Fluminense. Reflexos de um Noroeste do estado que, desde o declínio da cultura cafeeira, enfrenta, na maior parte das cidades, esvaziamento econômico, êxodo rural e dificuldades na geração de renda e emprego. E que, com 13 municípios, tem a menor participação no Produto Interno Bruto (PIB) do Rio, gerando, em 2011, riquezas na ordem de R$ 4,3 bilhões.
De todos os municípios do Rio, Laje (com 60% de suas receitas em 2012 vindas de transferências do estado ou da União) tem o menor PIB, de R$ 90,4 milhões, e a terceira menor população. E, embora pequena, enfrenta problemas comuns a cidades maiores. Já tem, por exemplo, comunidades com moradores em áreas de risco e, inclusive, presença do tráfico de drogas. É no alto de uma delas, o Cruzeiro, que vive Roselene Bernardo da Silva, de 48 anos. Ela mora à beira do perigo, vizinha de várias casas condenadas. E enfrenta outro drama do município: a escassez de emprego. Em sua casa, todos estão desempregados: ela, o filho de 23 anos e o marido, cuja empresa em que trabalhava faliu.
- Nosso sustento vem de um botequim que tenho. Também recebo o Bolsa Família, cerca de R$ 140 por mês, com o que pago as contas básicas, como luz e água. Vivemos com cerca de um salário mínimo - conta Roselene. - Mas não dá para ficar desesperada. Tudo que faço é acreditar em Deus. Tenho esperanças de que um dia ele solucione os meus problemas, e dos vizinhos também.
Enquanto há poucas opções de trabalho, de uma das principais atividades econômicas lajenses, o cultivo de arroz, restou apenas um festival, que acontece todos os meses de julho. Praticamente não se veem mais plantações do grão no município. No zona rural, aliás, são poucas as terras cultivadas. Na estrada de acesso ao vilarejo do Córrego Fundo, agricultores usam o velho arado puxado a boi para preparar a terra para o cultivo de inhame. Mas o que predomina é a pecuária extensiva e pequenos lagos para a psicultura.
Nesse cenário, as duas filhas de Luzia Catarina Galone, de 53 anos, foram embora para Itaperuna, principal polo econômico da região. Uma, trabalhando como empregada doméstica, se formou enfermeira. A outra, estuda nutrição. Luzia ficou no Córrego Fundo com o marido. E ao longo dos anos assistiu ao desaparecimento das lavouras de arroz e café das quais tirou o sustento para criar a família, em terras agora tomadas pelo capim. À cidade ela vai com pouca frequência. Normalmente, só para fazer compras e cuidar da saúde. Durante o ano letivo, pega carona no ônibus escolar que busca as crianças do vilarejo para o colégio em Laje. Mas, nas férias dos estudantes, sair do Córrego Fundo é ainda mais difícil.
- Aqui não tem ônibus regular. Ou pega carona ou vai andando, quatro quilômetros a pé, até a estrada, onde também tem pouca condução. Só na eleição tem ônibus à vontade, das 8h às 16h, para nos levar para votar. Mas queria que aqui houvesse um transporte rural, o ano inteiro, que nos levasse à cidade - revela Luzia.
Vizinha dela, Caroline Dias, de 34 anos, foi a única de 10 irmãos que continuou morando com a mãe no Córrego Fundo. Por enquanto. Encostada numa cerca na beira da estrada de terra batida, único lugar onde seu telefone celular funciona, ela conta que recebeu uma proposta para trabalhar num hotel fazenda no município de Cantagalo, na Região Serrana. E já prepara as malas para deixar a mãe, dona Maria Auxiliadora Dias, a Dorinha, de 73 anos. Atualmente, elas moram numa casa comprada há seis anos por uma das irmãs de Carolina que foram embora. Antes, viviam ainda mais longe, numa fazenda à beira da serra, onde Dorinha criou os filhos e viveu uma realidade que parece distante, mas não tão rara assim nos confins do Rio.
- Fui nascida e criada na fazenda. Era do patrão. Não tinha salário. Em toda minha vida, não ganhei um tostão furado pelo trabalho que fazia. Só estudei dois dias. Tinha 12 anos quando fui à escola. Havia me dado tão bem com o abecedário… Mas meu pai me tirou da sala de aula para capinar e plantar feijão - conta Dorinha, que segura as lágrimas quando se lembra dos raros dias de casa cheia. - Hoje, meus outros filhos só vêm aqui para passear. Sinto saudades.
Mas não é só nas cidades que encolhem que as oportunidades fora da região saltam aos olhos dos mais jovens. Perto do Norte Fluminense que floresce com a indústria do petróleo, o enfermeiro do trabalho Gilberto Silva Soares, de 29 anos, mora em Itaperuna, onde estuda pintura industrial. Não pensa, porém, em ficar na cidade. Tem destino certo e breve: a região de Macaé e Rio das Ostras.
Já na pequena Aperibé, com 10.882 moradores, grande parte da população está empregada em fundições de ferro. São cerca de 30 no município, algumas de médio porte. Mas na indústria que faz parte da engrenagem econômica da cidade, muitas fundições são quase de fundo de quintal, com condições de trabalho precárias e poucos investimentos no negócio.
- O incentivo do governo é muito pouco. A formação de mão de obra tem que ser feita aqui mesmo, durante o trabalho. Em Minas Gerais, é uma indústria que funciona praticamente toda automatizada. Aqui, não. Mas é o que puxa a economia da cidade - diz Aroldo Aguiar Pereira, de 43 anos, proprietário de uma dessas pequenas fundições.
Professora de Ciências Econômicas da Uerj, Maria Beatriz David lembra que, com o objetivo de criar novas perspectivas econômicas na região, recentemente se tentou fazer de Itaperuna um polo médico e tecnológico.
Além de Itaperuna, com seus 98.521 habitantes, forte comércio e um centro que sofre com problemas de cidade grande, como engarrafamento na hora do rush, outros dois municípios até se destacam no Noroeste como pólos regionais: Santo Antônio de Pádua e Bom Jesus do Itabapoana. No primeiro, por exemplo, há campus da Universidade Federal Fluminense, do Instituto Federal Fluminense e unidade do Sesi/Senac, com uma economia puxada pela extração mineral de rochas ornamentais, um polo papeleiro e a instalação de novas empresas. Mas dados do estudo Decisão Rio (2014-2016), do Sistema Firjan, deixam claro que o Noroeste Fluminense ainda está longe dos megaempreendimentos que se erguem no Rio e de tomar um caminho altivo: é para onde estão previstos, nos próximos anos, os mais baixos investimentos por região no estado, cerca de R$ 100 milhões.
Nenhum comentário:
Postar um comentário