O desemprego aumentou no Brasil nos últimos meses, assim
como a inflação e os preços dos combustíveis. Em queda está apenas a previsão
de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), em meio à insistente pandemia do
novo corona vírus, mas parte do país tem demonstrado muito mais
preocupação em relação à lisura das próximas eleições e à conduta de ministros
do Supremo Tribunal Federal (STF). O regente desse coro se chama Jair Bolsonaro. Enquanto
entretém a audiência, contudo, o presidente negocia nos bastidores de dois a
quatro novos ministérios para o Centrão, o fisiológico grupo que já detém
quatro das 23 pastas na Esplanada. A idéia é assegurar, ainda que temporariamente,
apoio político no Congresso.
Bolsonaro tem estimulado o seu séquito a participar de uma manifestação
em seu apoio e contra o STF na próxima data cívica do dia 7 de setembro.
Publicamente, também segue esticando a corda contra ministros do tribunal
—já pediu o impeachment de um, Alexandre de Moraes, e promete
fazer o mesmo com Luís Roberto Barroso, também presidente do Tribunal Superior
Eleitoral. Além disso, insiste na infundada tese de que, sem voto impresso, já derrubado pela Câmara, as eleições de 2022 podem ser
fraudadas. O show distrai a audiência e desvia o foco do que de fato está
acontecendo em seu Governo e, principalmente, daquilo que, por mais que se
esforce, a gestão Bolsonaro e o ministro da Economia, Paulo Guedes, não
conseguem fazer avançar.
Para lembrar ao presidente quais são os verdadeiros desafios
que o país enfrenta, 22 governadores se reuniram nesta segunda-feira para
articular uma reunião com os chefes dos poderes —a última tentativa de algo do
tipo foi abortada pelo presidente do STF, Luiz Fux, após insultos
de Bolsonaro a seus colegas de tribunal. O Fórum Nacional de Governadores
solicitou a Bolsonaro e aos presidentes da Câmara, do Senado e do STF uma
audiência “com o propósito de identificar e pautar pontos convergentes e estratégias
visando salvaguardar a paz social, a democracia e o bem-estar socioeconômico da
população brasileira”. A carta é assinada pelo governador do Distrito
Federal, Ibanes Rocha, coordenado do fórum.
Pressionado do lado de fora, Bolsonaro ainda tenta arrumada
a própria casa. Conforme interlocutores do Planalto, os ministérios atualmente
negociados em troca de apoio político seriam divididos igualitariamente entre
indicados por senadores e deputados de partidos como PL, PP e Republicanos —o núcleo duro do Centrão. Ainda não está claro quais cargos
seriam disponibilizados. Duas possíveis áreas são o Desenvolvimento Regional e
o Turismo. O presidente liberaria seus atuais ocupantes, Rogério Marinho e
Gilson Machado, para percorrerem seus Estados, iniciando suas campanhas
eleitorais. Marinho pretende concorrer ao Governo ou ao Senado pelo Rio Grande
do Norte. Machado almeja o Senado por Pernambuco.
Outro que corre o risco de ser apeado do primeiro escalão da
gestão Bolsonaro, conforme relatos de políticos próximos ao presidente, é o
general Luiz Eduardo Ramos, ministro da Secretaria-Geral da Presidência. Amigo
do presidente, o militar da reserva tem perdido cada vez mais espaço para os
políticos profissionais. Sua retirada seria uma saída fácil para conseguir
acomodar os aliados.
Até abril do ano que vem, quando os candidatos são obrigados
pela legislação eleitoral a deixar os ministérios, outras dez pastas devem
sofrer mudanças. Entre elas está a da Agricultura, para que deputada federal
Tereza Cristina (DEM-MS) tente a reeleição, e a do Trabalho, para que o
ministro e deputado Onyx Lorenzoni (DEM-RS) alce voos mais altos —ele deve
concorrer ao Governo do Rio Grande do Sul. Também figuram entre os pretensos
concorrentes alguns estreantes nas urnas, como o ministro da Justiça, Anderson
Torres, e a dos Direitos Humanos, Damares Alves.
Com essa potencial reforma ministerial, a tendência é que o
Centrão aumente ainda mais sua presença no Governo. Os cargos não devem
necessariamente ser ocupados por lideranças políticas, como no caso do senador
Ciro Nogueira (Progressistas-PI), atualmente na Casa Civil, mas com a indicação
de nomes apresentados como “técnicos”. Todo o cenário traçado ainda pode mudar,
caso as chances de Bolsonaro nas urnas se reduzam ainda mais. Hoje, ele ainda
tem condições de disputar um projetado segundo turno contra o ex-presidente
Luiz Inácio Lula da Silva (PT), pois registra de 24% a 35% da preferência dos eleitores, de
acordo com cenários testados em pesquisas eleitorais feitas por institutos
como Atlas Políticos, Datafolha e XP Ipespe. Mas, ainda segundo todos esses institutos,
Bolsonaro perderia para o petista num segundo turno.
“Até o limite, estaremos com Bolsonaro. Mas não seguiremos
em canoa furada até o fim”, confidenciou uma liderança do Centrão na Câmara.
Uma eventual mudança para uma candidatura Lula ou para uma candidatura de
terceira via, ainda incerta, tem sido debatida entre esses líderes partidários.
A principal preocupação, efetivamente, é garantir um elevado número de cadeiras
no Congresso para a próxima legislatura, e não necessariamente eleger o
presidente da República.
Perda de apoio
Apesar de passar boa parte do dia falando sobre urnas
eletrônicas e ministros do STF, uma das principais preocupações do presidente é
a perda do apoio no Legislativo. Seu movimento de pedir a destituição de
ministros do Supremo resultou na construçã de um muro no Senado. Os senadores
avisaram que, por enquanto, deixarão a indicação de André Mendonça para a cadeira vaga do STF em
banho-maria. Não há nenhuma disposição para votar o indicado por Bolsonaro para
a vaga de Marco Aurélio Mello, que deixou o cargo há mais de um mês.
Essa reação gerou outro movimento no meio jurídico. O
ministro Humberto Martins, presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), já
avisou que está disponível para ser o indicado por Bolsonaro, caso ele desista
de Mendonça. Não é a primeira vez que Martins —entre outros players do judiciário brasileiro— se
apresenta para esse jogo. O que pesa contra ele é sua proximidade com o
senador Renan Calheiros (MDB-AL), relator da CPI da Pandemia e
considerado um inimigo pelo chefe do Executivo.
Outra sinalização de perda de força vinda do Senado é a
votação dos senadores para a recondução de Augusto Aras para a Procuradoria Geral da
República. Sua sabatina deve ocorrer nesta terça-feira, e a tendência é de que
ele seja aprovado para seguir como procurador-geral pelo plenário com menos
apoio do que obteve dois anos atrás, em seu primeiro mandato. Na ocaisão, Aras,
contou com apenas dez votos contrários, de um total de 81 eleitores.
Na Câmara, os problemas são outros. A proposta de reforma do
Imposto de Renda está travada, assim como a reforma tributária. Também na pauta
econômica, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), iniciou a
tramitação da proposta de emenda constitucional que extingue quatro impostos
(Cofins, PIS, Pasep e IPI) e os unifica, criando um imposto de valor agregado.
Poderia ser apenas uma valorização de uma proposta do próprio Legislativo, mas,
para articuladores políticos, foi uma afronta ao ministro Paulo Guedes, que
lutava para que esse texto não progredisse. É o tipo de má notícia para o
Governo que o presidente tem tentado esconder por trás de uma cortina de fumaça interminável.
EL PAÍS