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Um dos analgésicos mais usados no mundo, paracetamol causou 1.500 mortes
em uma década nos Estados Unidos
Um dos medicamentos mais populares do mundo, o analgésico paracetamol levou
1.500 pessoas à morte nos Estados Unidos na última década, segundo levantamento
da ONG de jornalistas “Pro Publica”, premiada com dois Pullitzer por suas
investigações. O problema não é a substância em si, mas a superdosagem, cujo
limite não é muito difícil de atingir e, se ultrapassado, pode afetar
gravemente o fígado. Também é arriscada a combinação com álcool. Nos EUA, assim
como no Brasil, é vendido sem prescrição médica, e o consumo cresce a cada ano.
Só nos últimos cinco anos, a venda de unidades (caixas ou cartelas) do
remédio - mais conhecido como tylenol, mas também em versões genéricas -
aumentou 80% no Brasil (de 20,6 para 37,2 milhões), e o faturamento chegou R$
507 milhões no ano passado, de acordo com pesquisa do instituto IMS Health,
feita a pedido do GLOBO. De fato, é bem mais usado nos EUA, onde as vendas
atingiram R$ 3,8 bilhões em 2012, segundo o Information Resources Inc, e as
doses passaram de 27 bilhões em 2009.
Por isso lá a FDA, agência reguladora de medicamentos, vem ao longo do
tempo e das pressões sociais adotando uma série de medidas. A partir de 2014,
por exemplo, a dose máxima permitida de um comprimido será de 325 miligramas
(mg). No “extra forte”, de 500 mg, a dose máxima diária foi de 4g para 3g, ou
seja, seis comprimidos.
Não é a primeira vez que esta dosagem varia. Na década de 90,
acreditava-se que a intoxicação ocorreria entre 10g e 15g. O Brasil segue a
atual recomendação da Organização Mundial de Saúde (OMS), que continua sendo de
4g. Aqui, a maior concentração vendida é de 750 mg.
- A Finlândia já diminuiu para 3g - afirma Anthony Wong, chefe do Centro
de Assistência Toxicológica do Hospital das Clínicas da Universidade de São
Paulo (USP). - Há 20 anos eu falo dos riscos do paracetamol. Mas ou não querem
ou não conseguem colocar restrições. No Reino Unido, eles colocaram e
conseguiram reduzir mortes. Pelo menos a informação sobre os riscos deve estar
mais clara, a impressão assim é que ele é totalmente seguro.
No Reino Unido, hoje só é possível comprar até 32 comprimidos por
pessoa. A medida, segundo estudo recente da revista “British Medical Journal”,
salvou 600 vidas desde 1998.
Maior causa de transplante hepático nos EUA
No Brasil não há restrição. Na embalagem de tylenol vem a orientação de
não se exceder os cinco comprimidos. Não vem, no entanto, o motivo da
recomendação. Isto está só na bula. A causa principal é a insuficiência
hepática fulminante, ou seja, o fígado para de funcionar. Neste caso, há a
necessidade de transplante. A intoxicação por paracetamol nos EUA é, por sinal,
a maior indicação desta cirurgia, com quase 800 casos nos últimos 15 anos.
Aqui faltam dados. Uma pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande do
Sul apontou 440 casos de intoxicação pelo remédio em 2008 naquele estado. Já a
Sociedade Brasileira de Hepatologia fez um levantamento em 2010, quando
consultou centros de transplante no país, e descobriu quatro transplantes.
- Nos últimos dez anos, houve dois casos de intoxicação na Bahia, nenhum
morreu - acrescenta Raymundo Paraná, chefe do Serviço de Hepatologia do
Hospital da Universidade Federal da Bahia e ex-presidente da sociedade. - Todo
e qualquer medicamento tem um princípio ativo com alguma capacidade de gerar
toxicidade. Uns mais, outros menos. Geralmente este efeito é imprevisível e
raro, a vantagem de paracetamol é que é previsível. Em doses terapêuticas, o
risco é praticamente zero.
O professor explica ainda que o risco de intoxicação em dose acima de 8g
é de quase 100%. Entre 3g e 8g, depende de outros aspectos, como o consumo de
álcool ou de outros medicamentos, como anticoagulantes e alguns tipos de
anticonvulsivantes.
O álcool compromete o fígado, da mesma forma que pode fazer o paracetamol.
Por isso, quem bebe com muita frequência deve ter cuidado. Anthony Wong diz que
deveria ser evitado até para curar ressaca. Ele também alerta sobre o uso de
paracetamol contra a dengue, mesmo que a OMS e o Ministério da Saúde recomendem
o remédio nestes casos.
- A dengue provoca problemas hepáticos. Como o paracetamol é menos
eficaz para baixar a temperatura do que outro analgésico acaba-se tomando doses
maiores e com mais frequência, o que é arriscado - defende.
Embora o paracetamol seja considerado seguro pelas organizações de
saúde, o especialista e alguns estudos sugerem que até em doses recomendadas
ele pode ser perigoso. A própria FDA afirmou recentemente que o seu uso está
associado a raras, mas sérias, reações de pele, conhecidas por síndrome de
Stevens-Johnson. Além disso, a revista “Pediatrics” publicou que a substância
pode provocar asma em crianças. E o “British Journal of Clinical Pharmacology”
sugere que o abuso ao longo do tempo “pode ser fatal”.
Os especialistas em doenças hepáticas dizem que nem todos os médicos
estão acostumados a diagnosticar casos de intoxicação por paracetamol nas
emergências. Wong conta que há dois meses um amigo morreu, provavelmente por
este motivo: teve febre alta na Bahia e tomou o remédio. Dias depois, estava
internado em São Paulo, tanto com o rim quanto o fígado sem funcionar:
- Quando os dois param ao mesmo tempo, a suspeita é a intoxicação.
Os sintomas, em geral, surgem quatro horas depois da superdosagem, com
vômito, náusea, dor de cabeça e suor. Depois de 24 horas, há convulsões e a
piora do quadro. Em 72 horas, com a destruição do fígado, o organismo não
metaboliza mais a amônia, que se acumula no corpo, o que pode provocar morte
cerebral. O prazo para reverter a intoxicação é de 24 horas, e o antídoto é a
substância N-acetilcisteína
FONTE O GLOBO