Direito do cliente é fundamento da economia, mas número de
reclamações não para de crescer, e ações contra grandes empresas demorampor
Germano Oliveira Criado no rastro da Constituição de 1988, o Código de Defesa
do Consumidor (CDC) representou um grande avanço na defesa dos direitos de um grupo
que, até então, só tinha obrigações. Porém, segundo dirigentes de órgãos que
canalizam as demandas da população, ainda há muito a caminhar. As empresas
resistem em atender melhor o cliente.
Criado no rastro da Constituição de 1988, o Código de
Defesa do Consumidor (CDC) representou um grande avanço na defesa dos direitos
de um grupo que, até então, só tinha obrigações. Porém, segundo dirigentes de
órgãos que canalizam as demandas da população, ainda há muito a caminhar. As
empresas resistem em atender melhor o cliente. O número de reclamações é
crescente. Em 2010, 1.324.786 atendimentos de pessoas insatisfeitas foram
realizados e, em 2012, 2.031.289, um aumento de 53%, de acordo com a Secretaria
Nacional do Consumidor (Senacon), do Ministério da Justiça. Apenas no primeiro
semestre deste ano, 1.230.779 de atendimentos foram registrados.
Os setores de cartão de crédito, telefonia celular,
telefonia fixa, bancos comerciais e financeiras são os que acumulam o maior
número de queixas. Para Maria Inês Dolci, coordenadora da Proteste, associação
de consumidores que atua em São Paulo e no Rio, o brasileiro só começou a ser
respeitado a partir da criação do CDC, em 1990:
— Falar do código é como falar de um filho nosso, porque
acompanhamos desde o início esta luta para que houvesse as melhorias
necessárias. Há um grande sucesso, mas lamentamos que ainda não estejamos 100%,
já que alguns setores resistem, setores que registram os mesmos problemas há
anos.Segundo o diretor do Procon de São Paulo, Paulo Arthur Góes, o CDC
tornou-se uma cláusula pétrea na Constituição, ao reconhecer que a defesa do
consumidor é um direito fundamental do cidadão. Ele lembra que os
constituintes, nas disposições transitórias, estipularam um prazo de 180 dias
para que o código fosse elaborado, o que não foi cumprido. Essa carta de
direitos só foi aprovada em 1990.
— E veio muito bem elaborado, fruto de um processo
absolutamente democrático. Todas as partes da sociedade foram ouvidas e puderam
se manifestar — afirma Góes.Ele diz que os setores com maior número de
reclamações são os mais regulados, como energia elétrica, bancos e
telecomunicações. Nesses dois últimos, a maioria das queixas se refere a
cobranças indevidas, qualidade dos serviços e falta de informação. Explica que
outros setores também vêm despertando a insatisfação do consumidor, em especial
o varejo on-line.
— Há muitas queixas de não entrega de produtos no
prazo e quando se precisa consertar um produto ou trocá-lo. No papel, o
consumidor tem a garantir, mas, na prática, é uma luta constante.
Há um investimento muito aquém do necessário no
pós-venda. O foco ainda é a venda, a propaganda, a publicidade, algumas vezes
enganosa. O foco das empresas está mais em conquistar clientes do que em
fidelizá-los. A fidelização se dá muitas vezes na base de amarras. Você faz um
plano de serviço de telefonia móvel ou de TV por assinatura e fica atrelado a
cláusulas com multas e outros mecanismos que dificultam o exercício de
liberdade de escolha.
Maria Inês diz que que a lentidão do Judiciário é outro
entrave:
— O que nos preocupa agora em relação à execução do CDC é o
Judiciário, que tem pouco conhecimento do setor e não julga rapidamente,
principalmente quando há empresas de grande porte. Da primeira instância até a
última, em média, demora-se de oito a dez anos. Antes da existência do CDC, as
pessoas raramente reivindicavam seus direitos e se sentiam tímidas ao procurar
o Procon, recorda-se Leila Cordeira, diretora de atendimento do Procon, em São
Paulo, funcionária do órgão há 25 anos.
— Hoje, atendemos 60 mil pessoas mensalmente. Dessas,
18 mil só pelo telefone 151. Antigamente, as pessoas desconheciam seus
direitos. Hoje, 70% das reclamações que nos chegam são solucionadas — diz
Leila.
A paulista Irma Silvério, de 70 anos, é uma das que
percebem essa diferença. Ela se sentiu prejudicada pelo seu convênio de saúde.
Ao completar 70 anos, em junho, a empresa aumentou a mensalidade de R$ 148 para
R$ 273.
— O Procon de São Paulo acionou a empresa com base no
Código de Defesa do Consumidor. Agora, já me mandaram os boletos com aumento de
apenas 9%, ou seja, R$ 160 — diz Irma. (Germano Oliveira)
Fonte: O Globo