Após uma série de ataques às urnas eletrônicas e ao presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Luís Roberto Barroso, o presidente Jair Bolsonaro sofreu seu primeiro revés formal. Por unanimidade, a Corte abriu um inquérito administrativo para apurar os ataques sem provas que ele vem fazendo ao sistema eletrônico de votação, e pediu que ele seja investigado também em um inquérito já aberto no Supremo Tribunal Federal (STF).
A gota d'água para o Judiciário, que vinha respondendo às declarações com notas de repúdio, foi a live realizada na última quinta-feira em que Bolsonaro prometeu apresentar provas de fraudes nas eleições, mas não o fez. Ao contrário: utilizou vídeos de internet previamente desmentidos pelo próprio TSE, e admitiu que “não tem como se comprovar que as eleições não foram ou foram fraudadas".
Em sua cruzada pelo voto impresso, o presidente escalou os ataques à medida que a pressão aumentava na Praça dos Três Poderes. Bolsonaro é alvo da CPI da Covid, tem baixa popularidade e aparece atrás nas pesquisas eleitorais para 2022. O chefe do Executivo, reiteradamente, também ameaça não reconhecer o resultado caso perca as eleições em 2022 com o sistema atual.
Em cinco pontos, entenda entenda os motivos e a cronologia da crise:
O que o presidente disse em live?
Depois de convocar a imprensa e apoiadores para uma live onde apresentaria as provas das supostas fraudes eleitorais em 2018 e 2014, Bolsonaro disse com todas as letras não ter como sustentar as acusações. Em transmissão ao vivo em suas redes sociais e na TV Brasil, ele fez ataques ao sistema de votação usado no Brasil e disse que há "indícios fortíssimos em fase de aprofundamento". Os indícios citados pelo presidente foram vídeos antigos que circulam na internet e trechos editados de programas de TV.
Na transmissão de mais de duas horas, Bolsonaro atacou o TSE e o ministro Barroso, que defende a segurança e transparência do sistema eletrônico. A Corte ainda realizou a checagem em tempo real das afirmações do presidente com conteúdos sobre as eleições no Brasil que foram produzidos ao longo dos últimos anos e que desmentem as alegações de Bolsonaro. Foram 17 pontos rebatidos pelo TSE.
Por que Bolsonaro aumentou o grau dos ataques?
A escalada de ataques ao sistema eleitoral vem na esteira da queda de popularidade de Jair Bolsonaro. A pesquisa IPEC mostrou um aumento de 10 pontos percentuais na reprovação do presidente, que totalizou 49% no último levantamento. Além disso, o atual presidente aparece atrás do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva nas pesquisas eleitorais.
Outro ponto de tensão é o avanço da CPI da Covid no Senado Federal. A comissão foi instalada em meio ao pior momento da pandemia do novo coronavírus no país, em que o número de mortes e casos batia recordes diários. Os senadores apuram ações e possíveis omissões do governo Bolsonaro no enfrentamento ao vírus, e revelaram possíveis irregularidades nas negociações de várias vacinas que contaram com intermediárias não autorizadas pelas farmacêuticas estrangeiras.
A Comissão Especial que avalia a PEC do voto impresso na Câmara dos Deputados também foi esvaziada, e o próprio presidente reconheceu que não acredita mais que o projeto será aprovado na Casa. Depois de fecharem questão contra o projeto, partidos iniciaram uma articulação para mudar os integrantes da comissão que analisa a proposta. A ideia era impor uma derrota antecipada, antes que a pauta chegasse ao plenário da Câmara dos Deputados.
O que o TSE e partidos dizem sobre as urnas?
O Tribunal Superior Eleitoral desenvolveu diversas campanhas de comunicação para esclarecer possíveis dúvidas dos eleitores sobre o sistema de voto eletrônico. Em vídeos e entrevistas, Barroso reafirmou que “o sistema é seguro, transparente e auditável”. O ministro declarou, reiteradamente, que existem diversos mecanismos de segurança — como o boletim de urna, impresso ao final da votação, e o Registro Digital do Voto —, além da participação de partidos e órgãos como a Polícia Federal, Ministério Público e Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em momentos críticos do processo.
— Eu sou juiz, e o TSE é um tribunal. Lidamos com fatos e provas, não com retórica política. Nunca, desde a introdução das urnas em 1996, houve qualquer denúncia de fraude documentada e comprovada — disse o ministro ao GLOBO.
Presidentes de 11 partidos políticos, incluindo legendas aliadas ao governo Jair Bolsonaro, também se posicionaram contra a adoção do voto impresso na eleição brasileira. Em encontro virtual, os líderes confirmaram a confiança no sistema e defenderam que mudar as regras do jogo, a essa altura, poderia gerar incertezas no processo.
O que o TSE definiu nesta segunda?
Por unanimidade, o TSE tomou duas medidas contra o presidente Jair Bolsonaro: abriu um inquérito administrativo interno para apurar as acusações sem provas, e pediu que ele seja investigado também em um inquérito já aberto no Supremo Tribunal Federal (STF).
Na avaliação da Corte, Bolsonaro teve "possível conduta criminosa" na live da última quinta-feira e, por isso, acatou a sugestão do corregedor do TSE, ministro Luis Felipe Salomão, de abrir um inquérito. Em junho, ele já havia determinado que Bolsonaro explicasse as acusações que fez contra as urnas eletrônicas. O prazo para resposta vence nesta segunda-feira, mas, até agora, Bolsonaro não se manifestou.
“A preservação do Estado democrático de direito e a realização de eleições transparentes justas e equânime demandam pronta apuração e reprimenda de fatos que possam caracterizar abuso de pode econômico, corrupção ou fraude, abuso do poder politico, o uso indevido dos meios de comunicação social, uso da máquina administrativa e ainda propaganda antecipada", pontuou Salomão.
No STF, a investigação ocorrerá no âmbito do inquérito das "fake news", conduzido pelo ministro Alexandre de Moraes. O pedido de investigação na Suprema Corte tem como base o mesmo objeto: os constantes ataques, sem provas, às urnas eletrônicas e ao sistema eleitoral do país com uso de fake news.
Quais consequências da decisão do TSE?
De acordo com o advogado eleitoral Fernando Neisser, presidente da comissão de direito eleitoral do Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP), o inquérito administrativo não gera punição por si só, mas pode produzir elementos de prova para uma ação do Ministério Público Eleitoral ou de partidos políticos.
— Poderia haver uma ação de tutela, em que partidos pedem para ele parar de atacar a normalidade eleitoral, sob pena de aplicação de multa. Apresentando o pedido de registro de candidatura no ano que vem, ele estaria sujeito a uma ação que pode levar a uma cassação de candidatura e, caso reeleito, do próximo mandato.
No Supremo, Alexandre de Moraes deve aceitar o pedido de inclusão de Jair Bolsonaro nas investigações do inquérito das “fake news”. Em votação no TSE, colegiado da qual também faz parte, Moraes votou a favor dos requerimentos.
EXTRA
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