Desde o início do mês, um casal de Santos, no litoral paulista, convive com a agonia pela possibilidade de perder a única geladeira de sua casa. Isso porque uma decisão da Justiça determinou que o eletrodoméstico seja penhorado por conta de um débito da época em que os dois ainda não estavam juntos — a mulher deve cerca de R$ 40 mil em aluguéis atrasados. O caso acabou suspenso por 40 dias a pedido do antigo senhorio, que não aceitou cobrir as custas do leilão do bem. Mesmo assim, a situação ainda atormenta a família.
Com a população empobrecida num cenário de grande endividamento, com 77,4% das famílias acumulando débitos (em atraso ou não), segundo o último balanço mensal da Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic-CNC), a possibilidade de ter algum bem penhorado por conta de dívidas aumenta. Além disso, novas modalidades de crédito, como a opção de o celular ser usado como garantia num empréstimo, estabelecem um cenário ainda pior do que a penhora, de acordo com especialistas. Isso tudo em meio a uma discussão no Congresso Nacional que pode permitir que casas sejam usadas como garantia.
A penhora acontece quando um bem é bloqueado em função de alguma dívida, e pode ser desfeita com uma eventual quitação antes do leilão. Qualquer dívida questionada na Justiça pode resultar numa penhora para garantir o pagamento. É o que explica o advogado David Nigri, especialista em Direito Tributário. Segundo ele, quando a dívida é referente a algum imposto em atraso, os órgãos de Fazenda responsáveis têm a prerrogativa de execução, penhorando os valores disponíveis em conta. Mas quando o débito em questão é com uma empresa privada, é preciso que a cobrança vá à Justiça.
— Se não há valores disponíveis, com a determinação do juiz, o oficial de Justiça visita a residência ou a empresa do devedor e avalia o que pode ser penhorado. Mas a penhora é apenas uma forma de bloquear o bem, que precisa ir a leilão. Após ser arrematado, a dívida é quitada. O que sobrar é devolvido ao devedor — diz o advogado.
Coordenadora do programa de serviços financeiros do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Ione Amorim explica que dívidas bancárias, como débitos de cartão ou cheque especial, são amparados em instrumentos que permitem que os bancos “vendam” os débitos para empresas especializadas em cobrança, que tentam executar os valores.
— A exceção é para as modalidades de crédito com garantia, como no caso de financiamento de imóveis e veículos, que neste caso preveem alienação fiduciária — explica Ione.
Tentativa de bloquear a conta
O caso da geladeira penhorada aconteceu no início de junho. Por conta de problemas familiares e do desemprego, a mulher ficou inadimplente por mais de um ano, entre outubro de 2013 e março de 2015. O proprietário do imóvel entrou em 2017 com uma ação na Justiça para receber os valores atrasados. Ela chegou a ter pouco mais de R$ 700 bloqueados numa conta da Caixa, mas a defesa provou que o valor era referente ao saque emergencial do FGTS.
O juiz determinou então que um oficial de justiça avaliasse os bens da família para realizar a penhora, e a geladeira acabou sendo escolhida para quitar a dívida. O casal ainda tentou argumentar que o aparelho garantia a dignidade da família, mas a penhora foi mantida. O caso acabou sendo suspenso temporariamente a pedido do antigo senhorio, ao entender que teria que cobrir as custas do leilão, mas a chance de perder o bem ainda existe, e o caso não é único.
Penhora: em que casos?
A penhora acontece quando um bem é bloqueado em função de alguma dívida, e pode ser desfeita caso o débito seja quitado antes de o bem ir a leilão. Qualquer dívida questionada na Justiça pode ter a penhora determinada para quitação. É o que explica o advogado David Nigri, especialista em Direito Tributário. Segundo ele, quando a dívida é referente a algum imposto em atraso, os órgãos de Fazenda responsáveis têm a prerrogativa de execução, penhorando os valores disponíveis em conta.
– O contribuinte que não cumpre o pagamento de um tributo entra na Dívida Ativa, onde é criada a Certidão da Dívida Ativa (CDA), documento que já tem força para a execução ser instaurada – explica.
Saiba mais:
Mas quando a dívida é com qualquer empresa privada, é preciso que a cobrança vá a Justiça, que pode decidir pela penhora:
– A ordem de preferência segundo Código de Processo Civil é o dinheiro, o que deixa a pessoa desesperada. Se não há valores disponíveis, com a determinação do juiz, o oficial de Justiça visita a residência ou empresa do devedor e avalia o que pode ser penhorado. Mas a penhora é apenas uma forma de "amarrar" o bem, bloqueá-lo. Mais adiante, o bem precisa ir a leilão, e após ser arrematado, a dívida é quitada. O que sobrar, é devolvido ao devedor – explica.
É importante entender que nem todos os bens podem ser penhorados. Valores referentes a sobrevivencia de quem deve, como salário, aposentadoria ou pensão, não podem ser penhorados, assim como veículos usados para o sustento, como o carro de motoristas de aplicativo e taxistas ou a moto de entregadores. O imóvel único que sirva de moradia para a família também é impenhorável.
Nigri lembra que outros bens usados por exemplo por profissionais liberais para trabalhar também não devem ser executados:
– O computador de um advogado autônomo, por exemplo, é um item de sobrevivência. Você não pode tirar o sustento da pessoa. Além disso, aquilo que é necessário dentro do chamado mínimo essencial, para que seja mantida a dignidade humana, não pode ser violado.
Outros itens, como valores em espécie ou aplicados nos bancos, títulos de dívida pública, ações, veículos, quotas em empresas e jóias podem ser penhorados.
Economista e coordenadora do programa de serviços financeiros do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Ione Amorim explica que dívidas bancárias, como débitos de cartão ou cheque especial, são amparados em instrumentos como títulos de direitos creditórios. Por meio dessas ferramentas, após 180 dias sem pagamento, o banco "vende" o débito para uma empresa especializada em cobrança que assume a dívida e tentar executar os valores, inclusive judicialmente.
– A exceção é nas modalidades de crédito que preveem garantia, como no caso de financiamento de imóveis e carros ou motos que preveem alienação fiduciária, onde o bem pode ser bloqueado ou sofrer busca e apreensão e ir a leilão em caso de inadimplência – explica Amorim, lembrando também que bens usados como garantia de empréstimo pessoal também podem ser penhorados.
Queda na temperatura:
Nigri lembra que uma opção para não perder algo que o devedor julgue essencial é pedir a substituição da penhora por outro bem menos importante.
– Se nada der certo, há também a opção de fazer um acordo, parcelar a dívida e evitar a perda do bem. Em geral, as empresas estão dispostas a negociar e evitar a penhora, com exceção de casos em que o leilão é extrajudicial.
Para especialistas, no entanto, o mais importante é se antecipar a danos maiores. Um dos caminhos é a renegociação da dívida antes que o débito chegue a Justiça:
– Uma decisão judicial não acontece de uma hora para outra. Deixar chegar às vias de fato torna o diálogo difícil com o credor. O consumidor deve ficar sempre atento aos riscos. Tentar o diálogo antes e outras alternativas, como o parcelamento – diz Ione.
Viu isso?
Milhas e até igreja
As possibilidades de penhora se diversificam. Em maio, a Justiça do Distrito Federal penhorou as milhas aéreas de uma empresa de criptomoedas e de um de seus sócios, acusado de pirâmide financeira. As buscas no sistema judiciário não encontraram patrimônio para compensar a dívida, e foram arrestados 62.929 pontos de um programa de fidelidade.
Já no último dia 7, o Tribunal Regional do Trabalho de Goiás determinou a penhora de uma igreja evangélica para o pagamento de R$ 317 mil de uma dívida trabalhista. A ação foi movida por um antigo supervisor de obras que sofreu um acidente enquanto vistoriava os trabalhos no templo.
Apesar de o vínculo não ter sido reconhecido, a Justiça do Trabalho entendeu que a igreja tinha culpa pelo acidente e condenou o templo a indenizar a vítima. Assim, a penhora acabou sendo determinada. Após um recurso, os desembargadores da Segunda Turma do TRT-18 decidiram que locais destinados aos cultos religiosos não fazem parte da lista de bens impenhoráveis e mantiveram a decisão.