Luis Fernando Correia é médico com décadas de experiência e tem dedicado
seus dias desde o início da pandemia a curar pessoas que sofrem de uma doença
potencialmente muito perigosa: a burrice! Neste Papo Reto, ele critica a elite
do atraso, que quer ficar escolhendo vacina, e denuncia que há muito mais do
que ignorância por parte dos que se dedicam a espalhar bizarrices e falsas
notícias sobre a pandemia.
Qual
o risco real da variante Delta no Brasil?
Na verdade, não temos um risco da
variante Delta. Ela já está no Brasil e não temos uma capacidade de
sequenciamento genético pra identificação de variantes tão potente como seria
necessário. Aliás, poucos países no mundo têm, vamos falar a verdade. Só quem
desenvolveu um sistema de vigilância genômica eficiente foi o Reino Unido, que
faz cerca de 1.500 sequenciamentos por semana. Tirando isso, o resto do mundo
vai correndo atrás do prejuízo. Voltando ao Brasil, temos identificado casos de
variante Delta em vários estados. O que vai determinar o poder dessa variante?
Por si só, essa cepa é mais infectante, uma coisa de 30 a 50% mais que o vírus
original chinês. Quando comparada à variante Gama, que é a antiga B1
brasileira, é em torno de 25% mais infectante. Dependendo da situação
ecológica, ou seja, nós temos ainda uma variante Gama dominante no país, sendo
que a Delta pode e provavelmente vai ocupar esse espaço. A questão é quanto
tempo vai levar. Se vai ser muito rápido, como no Reino Unido, que aconteceu em
questão de semanas, ou se vai demorar um pouco mais, porque ela tem que
competir com a nossa variante. A Delta, por ser mais infectante, ela aumenta
muito o número de casos. O que se tem são dois caminhos diferentes. Em alguns
países, aumenta o número de casos, porém não aumenta o de mortes de
internações, como no caso do Reino Unido. Já em casos como Rússia, Vietnam e
África do Sul, as três curvas sobem juntas. Muitos casos, muitas
hospitalizações e muitas mortes. O que parece fazer diferença é a cobertura
vacinal. Os países com maior cobertura, como Reino Unido, que tem mais de 60%
de vacinados com as duas doses ou com a cobertura completa (Janssen), não sobe
o número de mortes e internações. Nos países com baixo nível de de cobertura, a
situação é diferente. E essa é a situação do Brasil. Nós somos um país com
baixo nível de cobertura vacinal. Esse é o verdadeiro risco da variante Delta
no momento.
Mesmo
quem está vacinado deve manter os cuidados ao máximo?
Como os estudos vêm mostrando que o que protege contra a variante Delta
é a cobertura vacinal completa, o que se sabe é que a gente precisa que muita
gente chegue nesse ponto. Então, enquanto 70% da população não estiver com a
cobertura completa, a gente não pode ficar tranquilo, não pode baixar a guarda.
E pelo simples fato de a variante Delta ser mais infectante, é preciso mandar
os cuidados, evitar aglomeração, estar em ambientes arejados, uso de máscara e
lavagem de mão.
Como
vê esses movimentos, criando até grupos em redes sociais, para escolher qual
vacina tomar?
Esse movimento de escolha de vacina é reflexo de duas questões
culturais. Uma elite mal informada, tipicamente brasileira, que acha que é
diferente, que acha que o que vem lá de fora é melhor, então quer usar Pfizer,
em vez de usar as que são fabricadas no Brasil, como Coronavac e Astrazeneca.
Não tem a menor razão de ser. Simplesmente, eu tenho um pouco de medo, tem me
incomodado essa história de sommelier de vacina. Porque a elite brasileira
adora esse tipo de coisa. Então, se a gente continua a usar esse termo
sommelier de vacina, esses imbecis vão continuar achando que estão fazendo a
coisa certa. Temos que chamar eles de imbecis e ponto.
Qual
foi sua sensação ao ser vacinado?
Sensação de alívio, é verdade. Estou vacinado desde março, porque estou
morando fora do Brasil, assim foi mais fácil. E mesmo assim a sensação mais
forte é que eu gostaria que o resto do meu país estivesse recebendo a mesma
quantidade de vacinas que tem por aqui. O que mais me bateu foi a sensação de
incômodo, junto com o alívio, porque no Brasil não está disponível para todo
mundo.
É
prudente ter público nos estádios esse ano?
Definitivamente, não temos a menor condição de ter público em estádios.
Essa decisão onde foi tomada, foi tomada de forma precipitada. Eurocopa,
Wimbledon, Copa América vêm mostrando que essas decisões foram tomadas de forma
precipitada. Não é hora de público dentro do estádio. Porque se você libera,
você estimula aglomeração fora dos estádios, estimula aglomeração para ver os
jogos. A sensação que passa para as pessoas é que as coisas estão resolvida. E
isso é extremamente perigoso.
E em
relação à realização do carnaval, qual a sua percepção?
Eu acho que nesse momento não temos condições de avaliar se teremos
carnaval ou não. A decisão (de ter) foi tomada, mas sem nenhum tipo de
embasamento. Existem muitas variáveis até lá. A maior é a circulação e a
ocupação do espaço pela variante Delta e suas consequências no Brasil. O fato
de que pra gente ter uma coisa parecida com carnaval tem que ter uma cobertura
vacinal muito maior. E o que se está vendo com a variante Delta é que, além dos
adultos, as crianças vão precisar ser vacinadas também. Mais uma vez estamos
passando a mensagem errada de que a coisa está resolvida. E não está. Me
preocupa muito quando os políticos anunciam o avanço da vacinação na primeira
dose, que é uma coisa a se comemorar, mas o que a gente precisa é avançar com a
vacinação completa, com duas doses ou dose única. Não dá pra falar de carnaval
agora. É movimento politiqueiro e populista.
Quando
teremos de novo uma vida normal?
Minha perspectiva é que a gente consiga voltar a uma vida parecida com o
antigo normal em meados do ano que vem. Isso obviamente com essas variáveis que
eu coloquei, a variante Delta, outras que não conhecemos ainda. A gente já
sabe, por exemplo, de uma variante, a Epsilon, surgida na Califórnia, que tem
capacidade de escapar das vacinas de forma mais intensa, mas ainda não ocupou
ainda um espaço ecológico importante. Então a gente não tem como medir o impacto.
Se a gente não cessar a circulação do vírus, novas variantes vão acabar
acontecendo, isso é biológico. Por isso eu acredito que a gente precisa vacinar
muita gente no mundo inteiro. Isso é importante. A frase da pandemia é:
"Ninguém está seguro até que todos estejam seguros." Até a gente
conseguir fazer isso, a vida não pode voltar ao normal.
Qual
foi a coisa mais bizarra que viu até hoje em relação a boatos sobre vacinas e
sobre a pandemia como um todo?
No ano passado, eu fiz uma live por dia, todos os dias. E eu
dizia que ia colecionar as bizarrices no meio do caminho. Mas foram tantas que
eu não consegui guardar todas. Acho que o mais importante é combater o
movimento anti-vacina, ali tem as bizarrices mais surreais. A maior delas é que
quando você injeta a vacina você está injetando nano-robôs que vão capturar seu
código genético e vão comunicar alguma coisa para fora do seu corpo através da
tecnologia 5-G (risos). Desculpe eu estar rindo, mas é muito bizarro isso. E
quem estaria por trás desse plano maléfico global seria o Bill Gates. Talvez
porque a fundação do Bill Gates tenha doado muito dinheiro pra o Covax, pra
comprar vacina. E aí o movimento anti-vacina se aproveita disso. O mais
importante é lembrar aos nossos leitores e ouvintes de que o movimento
anti-vacina não é ideológico, é financeira, de pessoas que ganham muito
dinheiro com isso. Ganham para inventar mentiras. E políticos se utilizam
dessas bizarrices e da boa-fé das pessoas para ganhar voto. Se alguém diz pra
você que está preocupada com a vacina, está preocupada com seu filho, é
mentira. Ela está preocupada com dinheiro. A gente tem que lembrar que existem
pessoas que não podem ser vacinadas. 95% dos casos de tumores malignos infantis
são tratáveis e curáveis. Isso era impensável umas décadas atrás, quando
comecei na faculdade de Medicina. Essas crianças que agora são adultos não
podem tomar vacina. Pessoas em tratamento de quimioterapia não podem. Pessoas
com doenças imunológicas não podem. Transplantados talvez não possam. Então,
quando alguém não toma vacina, está colocando todas essas pessoas em risco.
Essas pessoas são irresponsáveis, egoístas e extremamente malvadas, para não
dizer outra coisa.
Fonte: Jornal Extra