Porciunculense produz
arte que vem da alma
Por RosimereFerreira
A alegria, a beleza das cores, a liberdade
dos traços, a inspiração no cotidiano trouxe às almas sensíveis e iluminadas a
arte “naïf”. Tida como a arte “livre de convenções” e “primitiva”, ganhou
o mundo, conquistou respeito e espaço no conceituado e exigente mercado das
artes.
O termo “Arte naïf” surgiu
através do apelido que foi usado para designar tanto a pintura quanto a
personalidade de Henri Rousseau em 1890, um pintor autodidata admirado pela
vanguarda artística dessa época, que incluía gênios como Picasso, Matisse e
Brancusi, entre outros. Rousseau foi o primeiro naïf moderno a ser exposto e
valorizado, considerado o pai da arte naïf por Lucien Finkelstein.
No Brasil, um nome de destaque
contemporâneo é Ernane Cortat, artista naïf nascido em Santa Clara, terceiro
distrito de Porciúncula, que hoje consta entre os maiores nomes do gênero no
cenário nacional e internacional. Desconhecido, porém, em sua terra natal, é
chegada a hora dos porciunculenses saberem que existe entre seus conterrâneos,
um gênio da arte naïf que é o exemplo perfeito da designação do estilo: alegre,
agradável, espiritualizado e com uma comunicação que alcança todo tipo de gente,
especialmente o mais sensível.
Ernane nasceu em Santa Clara,
filho de Geraldo Vieira Cortat e Neréa Ramos Cortat. Neto de Alencar da Fonseca
Ramos, o primeiro prefeito do município, e sobrinho do também político Paulo
Ramos. Mudou-se para Porciúncula aos 6 anos a fim de estudar. Na cidade ficou
até formar-se no curso de Contabilidade, indo, em seguida, dar sequência aos estudos
no Rio de Janeiro. Formado em Psicologia Clínica pela Universidade Santa Úrsula,
conta que todo o aprendizado acadêmico se juntou às suas lembranças de infância
e adolescência para trazer à tona o artista que é hoje: “Acho que o artista começou a existir no Colégio
Porciúncula, nas aulas de desenho com Dona Ivone Guimarães, nas de Artes
Industriais com a Dona Dilma Mendonça e no Grêmio Recreativo. Mesmo depois de
tantos anos, é difícil ver um colégio que incentive assim o esporte e a cultura,
o que me ajudou muito, pois era muito tímido, uma timidez exagerada. No colégio
existia o Grêmio Recreativo, que era como um programa de TV. Era o máximo de
felicidade as apresentações do grêmio, além de ter professores maravilhosos que
me facilitaram passar em 4 vestibulares , dois de medicina e dois em Psicologia
sem precisar de fazer cursinhos”, conta.
Porciúncula
ainda está muito presente na vida do artista, como podemos constatar nesta
entrevista exclusiva. Contatos com o autor podem ser feitos pelo e-mail: ercortat@gmail.com
- Quando foi que o artista apareceu em sua
vida?
Meu irmão Sylvio Cortat (falecido) era
arquiteto, foi morar nos Estados Unidos e virou artista plástico lá, tendo
feito um belo trabalho pelo mundo, o que me despertou e comecei a pintar de
brincadeira. Nunca levei a sério e nem acreditava no que fazia. De férias no
Rio, ele passou aqui, pegou um trabalho sem que eu soubesse e me inscreveu num
Salão de Arte da Rede Ferroviária. Ganhei o primeiro lugar, mas não me
empolguei. Continuei trabalhando e pintava de brincadeira nas horas vagas. Só
não sabia que Sylvio havia levado vários trabalhos meus para os Estados Unidos
e apresentado em algumas galerias. Fui convidado para expor e, como tinha muito
material, fui para os Estados Unidos com 118 quadros, fiz exposição no Washington
World Gallery, depois Miami em três galerias e fui convidado para ir para a
Colômbia fazer uma exposição junto com meu irmão numa galeria em Bogotá que era referência
no mundo pelo porte da galeria Galeria Marlene Hoffman. As coisas foram
acontecendo e vivi em 28 países fazendo exposições, sem programar nada. Tudo
aconteceu lá fora durante 8 anos. Depois, resolvi voltar ao Rio, já acreditando
que era isto que queria. Tudo surgiu e aconteceu sem nada programado.
- Você
já começou como artista naif? Quais são suas referências?
Sim, comecei como artista naif, pintava sobre fundo preto, diferentemente
dos demais, e sempre com pontilhismos e muitos detalhes. Minhas referências
foram meu irmão Sylvio Cortat, que muito me incentivou, e Nelson Porto
(falecido) artista plástico fantástico que me deixou de lembranças gostar de
pintar anjos.
- A arte naif é um trabalho minucioso, de pontos, cores e alegria. O
que esta técnica tem a ver com seu estado de espírito e sua forma de ver a
vida e de onde vem sua inspiração?
Minha inspiração começou desde Santa Clara a Porciúncula, com as festas
religiosas, principalmente. Meu lado religioso é muito presente, vem do
interior, de Porciuncula, das festas de Santo Antonio e São Sebastião, das
Folias de Reis, e outros eventos populares. Mas isto chega sem programar muito,
espontaneamente. Às vezes penso em fazer o tema X e, quando percebo, o quadro
desviou para algo totalmente diferente. Agora, depois de ter participado de um
fantástico livro TROPICALIA - Panis et circences - que adorei ter feito e estar
participando de outro a sair sobre Tom Zé, percebo umas mudanças lentas
acontecendo. No momento, ando gostando de fazer quadro homenageando pessoas que
admiro, tipo Frida Kahlo e agora Fernando Pessoa. Fiz um e, em andamento Mario
Quintana. Quanto ao estado de espírito, a arte naif me traz alegrias; gosto
desta coisa de muitas cores, detalhes e a liberdade que ela dá - se quiser
fazer um elefante vermelho posso, sem me preocupar se é a cor real deles,
por exemplo, e eu vou além. Hoje uso materiais antes não usado e criticado por
alguns. Não se pode deixar de existir a liberdade e não quero me sentir
preso a escolas. Sigo meu caminho da forma que acho legal. Faz a vida ficar
mais leve.
- Por
falar nisto, que lembranças você tem de
Porciúncula?
Tenho as melhores lembranças de Porciúncula, dos banhos de açude na
fazenda do dr. Edésio, por exemplo. Tive uma infância e adolescência numa casa
que parecia uma chácara em frente à casa do Sr. Jose Lannes com um quintal
imenso que permitiu a mim e meus irmãos viverem toda uma infância livre, subir
em árvores, andar a cavalo, enfim, coisas que num grande centro não existia. E
tenho duas lembranças muito fortes que me acompanham até hoje: lembro muito do cinema
– acho que ali começou todo meu amor à arte -, e do Colégio Porciúncula. Só
tenho aplausos para o ensino no Colégio que fez e faz parte da minha história.
- A arte naif tem o mesmo
valor de mercado dos estilos mais clássicos?
Esta coisa de valores é muito relativa, não vejo tanta diferença assim,
todas as artes são irmãs, depende do que se faz, da forma que coloca seu trabalho no mercado. Agora
mesmo, estou partindo para uma coisa que sempre quis fazer – estamparia. Fui convidado, já usam minhas imagens
para mais de 50 objetos,
mas estamparia era uma coisa que queria. Estou ainda em fase de experimentação, talvez seja mais
a longo prazo, mas o que fiz deu um resultado legal. Quanto a diferença de estilos, sigo o
pensamento dos críticos: os
acadêmicos pintam com o cérebro, os naifs, considerados ingênuos, pintam com a
alma. Coloco alma em minha arte e este é o valor que me importa.
- Como tem sido o reconhecimento do seu trabalho?
Ganhei muitos prêmios, mas o que mais me emocionou foi o Troféu Galaxie
de Cultura, patrocinado pelo MASP (Museu de Arte de São Paulo) e o jornal Folha
de São Paulo. A partir daí, as coisas começaram a acontecer de forma melhor
aqui no Brasil. Participei de 14 trabalhos para a UNICEF, ilustrando cartões de
Natal com meus quadros. Quanto a reconhecimento, ele vem. Tenho medo que seja
rápido, pois, às vezes ele vai embora na mesma rapidez. O que acho bom é estar
sempre sendo lembrado, recebendo retornos. Estou feliz como estou. Minha
arte é comercializada no Rio de Janeiro, São Paulo, Brasília, agora em
Recife e Nova York, Tel Aviv, Portugal e França, onde tenho galerias que
trabalham comigo.
- O que significa a arte em
sua vida?
A arte é o meu ofício, o meu prazer, minha fonte de viver.