Começou na quinta-feira a etapa final do processo de impeachment contra a presidente afastada Dilma Rousseff, quase nove meses após o então presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB-RJ) dar início ao trâmite.
Trata-se do julgamento de fato, quando o Senado Federal decidirá se a petista cometeu crime de responsabilidade e deve ser condenada, perdendo definitivamente o mandato. Para que esse entendimento prevaleça, são necessários os votos de 54 dos 81 senadores. Aliados do presidente interino, Michel Temer, dizem ter mais de 60.
Ainda assim, ela e seus aliados no Senado não pretendem deixar o "jogo" fácil para Temer. Está em disputa não só o resultado final do julgamento, mas a versão que ficará para a história sobre legitimidade do processo.
A partir desta quinta-feira, começam a ser colhidos os depoimentos das testemunhas de acusação e defesa. Na próxima segunda, Dilma irá pessoalmente ao Senado se defender. A expectativa é que entre terça e quarta os senadores deem seu veredicto.
Entenda abaixo, quais a "armas" de Dilma e Temer na reta final do impeachment.
AS ARMAS DE DILMA:
1) Ida ao Senado
A ida de Dilma ao Senado na segunda-feira será sua primeira participação presencial no processo de impeachment. Em outras ocasiões em que ela poderia ter comparecido pessoalmente para se defender, preferiu evitar o desgaste e delegou a tarefa a seu advogado, o ex-ministro da Justiça José Eduardo Cardozo.
Dessa vez, mesmo sob o risco de enfrentar ataques duros de senadores adversários, Dilma decidiu enfrentar o embate. Até porque não tem muito a perder, já que sua condenação é vista como inevitável por muitos. Por outro lado, sua participação pode reforçar a imagem de "lutadora" e de alguém que "resiste até o final".
"Dilma cresce na adversidade", tem dito o senador Lindbergh Farias (PT-RJ). Ele chegou a dar declarações de que a defesa presencial da presidente será capaz de virar de oito a nove votos, objetivo que parece distante.
"A ida da Dilma é importante para marcar posição e reafirmar que é vítima de um golpe", avalia a cientista política Christiane Laidler, professora de História Contemporânea da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro).
Na sua visão, Dilma deve aproveitar a ocasião para contrapor o "projeto político do PT, de inclusão social, ao projeto neoliberal do governo Temer".
Antes de responder às perguntas dos senadores, Dilma fará uma exposição inicial sobre "como vê esse processo, a democracia brasileira e as inconsistências que existem nas denúncias", segundo disse Cardozo nesta semana à Agência France-Presse.
2) Eleições antecipadas
Dilma passou a defender nas últimas semanas a antecipação da eleição presidencial de 2018 - medida que é apoiada pela maioria da população, segundo pesquisas recentes de opinião.
Sua promessa é que, caso seja absolvida no julgamento e restituída no cargo de presidente, apoiará a aprovação de um plebiscito para consultar a população sobre o adiantamento do pleito.
Assim, ela busca sensibilizar alguns senadores que defendem a eleição antecipada, mas votaram em maio pelo seu afastamento, caso de Cristovam Buarque (PPS-DF). No entanto, a proposta parece ter vindo tarde.
Além disso, sua execução é difícil, já que antecipação da eleição exigiria a aprovação de uma emenda constitucional, com apoio de três quintos dos parlamentares. Hoje, a maioria dos congressistas apoia o governo Temer.
O próprio presidente do PT, Rui Falcão, classificou a antecipação da eleição como algo inviável.
3) "Impeachment é golpe"
A principal "arma" da defesa de Dilma tem sido questionar a legitimidade do processo de impeachment, discurso que voltará a repetir nessa última etapa.
A petista sustenta que não cometeu crime de responsabilidade e que, portanto, sua condenação é um golpe. Na visão de seus aliados, as acusações de irregularidades na gestão das contas públicas estão sendo usadas como "pretexto" para afastar a presidente e levar ao poder um grupo mais alinhado com interesses da "elite econômica".
A tese tem recebido apoio internacional. Na terça-feira, por exemplo, 22 artistas e intelectuais estrangeiros assinaram uma carta de apoio à Dilma, entre eles o cineasta Oliver Stone, o linguista Noam Chomsky e o ator Viggo Mortesen ("O Senhor dos Anéis").
Dilma é acusada de ter publicado decretos que elevaram despesas mesmo quando a meta de economia do governo (superávit primário) estava sendo descumprida. E também de ter maquiado as contas públicas por meio das "pedaladas fiscais" (atrasos no repasse de recursos para cobrir empréstimos com juros subsidiados concedidos pelo Banco do Brasil a produtores rurais).
Sua defesa argumenta que o Congresso aprovou no final de 2015 uma nova meta de resultado primário, o que "convalidou" os decretos publicados naquele ano. Além disso, sustenta que as "pedaladas" foram praticadas em governos anteriores sem serem questionadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU).
AS ARMAS DE TEMER:
1) Ampla base no Congresso
A principal "arma" de Temer para garantir sua vitória definitiva no processo de impeachment é a ampla base de apoio que construiu no Congresso.
Isso ficou evidente na sessão do Senado que no início do mês aprovou a continuação do julgamento de Dilma, com um placar largo de 59 votos a 21.
Para o cientista político Geraldo Tadeu Monteiro, essa base ampla de apoio deve-se à capacidade de articulação de Temer, que já foi duas vezes presidente da Câmara de Deputados e é presidente do PMDB, maior partido do país.
Ele observa que a tendência "natural" da maioria dos parlamentares é ser governista, já que isso facilita o processo para conseguir verbas federais para os municípios de sua base política.
"Uma coisa que faltava à presidente Dilma e Temer tem de sobra é a capacidade de negociação e credibilidade para negociar. Dilma tinha a 'caneta', o controle sobre o Orçamento público, a nomeação de ministros, a liberação de verbas, mas não tinha nenhum apreço pela política", analisa.
"Qualquer pessoa que esteja no Poder Executivo, se souber minimamente manejar as coisas, vai ter apoio do Congresso. Então, quando Dilma passou a perder espaço, (os parlamentares) viram outra perspectiva de poder (em Temer) e correram para outro lado", acrescenta.
Nesta semana, Temer recebeu senadores do Nordeste, como Edson Lobão (PMDB-MA), João Alberto Souza (PMDB-MA), Roberto Rocha (PSB-MA), Ciro Nogueira (PP-PI) e Eduardo Amorim (PSC-SE), para falar de matérias do seu interesse. A região é onde Dilma e o PT ainda têm maior apoio popular.
2) Promessa de recuperação da economia
Outra estratégia de Temer para garantir apoio a seu governo é se colocar como a melhor alternativa para superar a crise econômica.
Com uma plataforma liberal, ele atraiu o apoio do empresariado ao impeachment de Dilma. Ainda antes do afastamento da presidente, a Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), por exemplo, apoiou os protestos pela saída da petista.
"Para o empresário, a pior situação é a instabilidade. Isso para os investimentos. Quando eles se depararam com a alternativa Temer, viram uma saída dentro da Constituição para pacificar a crise política e estabelecer condições favoráveis à iniciativa privada", nota Monteiro.
"E claro que eles preferem um governo pró-mercado, mais liberal. Temer, (o ministro das Relações Exteriores, José) Serra, são lideranças mais pró-mercado, que não têm as amarras que o PT tem com os movimentos sociais", ressalta ainda.
3) "Dilma cometeu crime"
Os aliados de Temer usam como "arma" para fundamentar as acusações de crime de responsabilidade contra Dilma decisões e pareceres do TCU contra a gestão fiscal de seu governo.
No ano passado, a corte recomendou, pela primeira vez na história, que o Congresso rejeite as contas de 2014 do governo federal. Já o julgamento das contas de 2015 não está concluído, mas em junho o ministro-relator do caso, José Múcio Monteiro, apontou em seu parecer preliminar 24 possíveis irregularidades na gestão fiscal do ano passado.
Para refutar a tese de que o processo contra Dilma é um golpe, os senadores favoráveis ao impeachment escolheram como testemunhas de acusação nessa etapa final o procurador junto ao TCU Júlio Marcelo de Oliveira e o auditor do tribunal Antônio Carlos Costa D'Ávila Carvalho Júnior. Ambos serão os primeiros a serem ouvidos nesta quinta-feira.
Em seguida, serão ouvidas as seis testemunhas de defesa - Nelson Barbosa (ex-ministro da Fazenda e do Planejamento), Luiz Gonzaga Belluzzo (economista professor da Unicamp), Esther Dweck (ex-secretária de Orçamento Federal), Luiz Cláudio Costa (ex-secretário executivo do Ministério da Educação), Geraldo Prado (jurista professor da UFRJ) e Ricardo Lodi (presidente da Sociedade Brasileira de Direito Tributário).
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