Padres de regiões diferentes do Rio revelam que as
relações virtuais e o uso de pornografia pela web são as maiores novidades nas
confissões de fiéis em toda a cidade
POR Hilka
Telles
Rio -
Quem nunca teve curiosidade de descobrir o que se fala nos confessionários que
atire a primeira pedra. Para saciar essa sede de saber da vida alheia, O DIA
entrevistou padres de várias regiões do Rio de Janeiro e constatou que o sexo
virtual e o uso de pornografia pela web são os ‘pecados’ da atualidade e
igualam o carioca da Zona Sul mais abastada à Zona Oeste menos favorecida.
O
desabafo sobre relações familiares difíceis ainda é a maior aflição de quem
ajoelha para confessar — de cada dez fiéis, oito falam sobre esse tema. Mas
sexo com ajuda do computador aponta para uma significativa mudança de
comportamento na sociedade: domina praticamente as confissões restantes, sem
fazer distinção de gênero, faixa etária e condição econômica dos ‘pecadores’
confessos.
Infidelidade, relações sexuais antes do casamento e masturbação, três
atitudes condenáveis à luz da Igreja, são os ‘pecados’ que deslizam na esteira
do sexo via internet e os mais relatados pelos penitentes. Na Zona Oeste de classes
média e baixa, mulheres na faixa etária dos 26 aos 40 anos têm largado os
maridos depois de conhecerem outro em salas de bate-papo na web. “Muitas vieram
ao confessionário e desabafaram sobre problemas conjugais. Depois, revelaram
ter se encantado por outro homem, pela internet. Por fim, trocaram o casamento
por essa nova conquista”, descreve o padre de uma igreja local.
Já os homens dessa parte da Zona Oeste, com idade entre 30 e 40 anos, não
usam muito o computador para essa finalidade. “Esses são os que mais confessam
infidelidades, mas não é virtual. Têm amante mesmo, no mundo real”, acentua o
religioso.
Segundo ele, dois outros assuntos permeiam as confissões femininas, dos 20
aos 45 anos: problemas matrimoniais, porque os maridos fazem uso em demasia de
bebidas alcoólicas, e filhos usuários de drogas.
Maioria mulher
A mulher ainda é o maior público na maioria dos confessionários. “Elas são
mais sensíveis ao aspecto religioso”, analisa o padre de uma igreja da Zona
Norte de classes média e alta. Mas, em outra igreja na mesma Zona Norte, num
bairro cortado pelos trilhos da Central do Brasil, onde os moradores são de
classe média e baixa, o pároco afirma que, de dois anos para cá, aumentou o
número de homens que buscam o conforto espiritual da confissão. “Agora está
meio a meio (homens e mulheres). Esse novo público tem mais de 40 anos e vem
falar de filhos adolescentes sobre os quais perderam o controle”, assinala o
padre.
Na Zona Sul, homens pedem ajuda para resistir à tentação
No lado da Zona Sul muito abastado, os moradores não têm uma relação íntima
com o confessionário. Mas, dos homens maduros que se confessam, segundo o
padre, quase a unanimidade diz que frequenta sites de pornografia.
“Ou já estão frequentando sites de pornografia ou estão prestes a entrar
neles. Pedem aconselhamento para resistir à tentação”, comenta um religioso da
área, onde a renda per capita está entre as maiores do país.
O perfil dos homens fiéis é outro. Eles gostam de frequentar a missa aos
domingos, de serem vistos por todos com as suas famílias. Querem fazer parte da
comunidade religiosa do bairro. No caso das mulheres, a confissão tem caráter
de desabafo. “Elas falam sobre tristezas em relação a filhos que estão com o
casamento na corda bamba ou já em fase de separação”, conta o padre.
Dívidas também não são assunto naquelas bandas, mas é tema bastante
confidenciado aos padres nas outras regiões. O cartão de crédito é o grande
vilão. Por causa das dívidas, há muitos casamentos abalados, segundo párocos de
igrejas da Zona Oeste e da Zona Norte.
Pano de fundo é solidão e falta de relacionamento estável
Em igreja da Zona Norte, na área da Central do Brasil, assuntos sobre sexo
também têm quórum, seja no plano virtual ou real.
“O pano de fundo é a solidão interior. Os rapazes, por exemplo, não têm um
objetivo. Para preencherem esse vazio, se aproximam de superficialidades, de
relacionamentos momentâneos. Tudo para não ficarem sozinhos. Em função do vazio
causado pelos desencontros, descarregam tudo na sexualidade. Já as moças
reclamam que não conseguem um relacionamento estável e, a partir disso, passam
a namorar muito. Para mim é um desafio. Como fazê-los ter novos valores, para
não centralizarem a vida apenas na sexualidade?”, pergunta-se o padre.
Na Zona Norte abastada, os ouvidos do pároco detectaram que as relações
interpessoais representam a maior parte das confissões, mas a questão do sexo
virtual está logo abaixo no ranking dos ‘pecados’.
“A maioria deles, com idade entre 17 e 25 anos, vem aqui para falar sobre
sexo. Eles têm dúvidas se estão em pecado ou não. Nos casos de homens adultos,
casados, há uma fatia considerável que frequenta sites de pornografia e se
masturba. Eles consideram pecado. Percebo que há um número significativo de
dependência de sexo virtual entre homens adultos, que não têm coragem de
praticar o ato real e o fazem virtualmente. Coisas do mundo contemporâneo”,
observa o religioso.
Jovens se sentem culpados após sexo
Excetuando os jovens da Zona Sul, que nem cogitam a possibilidade de sexo antes
do casamento ser ‘pecado’ e preferem as areias das praias ao confessionário,
nas outras paróquias visitadas pelo
DIA a garotada está aflita
sobre essa questão.
“Dos jovens que me pedem aconselhamento, a maioria é do sexo masculino. De
cada dez, sete confessam pecados sobre sexo. O que mais dizem é que tentaram
evitar o ato carnal, mas não conseguiram. Às vezes, vem o casal de namorados.
Um entra, se confessa. Depois, entra o outro. São os mesmos pecados sobre
sexo”, diz um padre da Zona Norte.
O tema sexual, para adolescentes na Zona Oeste, tem outro viés. “Quando elas
têm a primeira experiência, muitas vezes não confessam. Mas se aquele namoro
terminar, tentarão outros relacionamentos. É nesse ponto que nos procuram. Elas
se veem como pecadoras. Por ter tido mais de um parceiro, entendem que estão
entrando no terreno minado da promiscuidade”, diz o padre.
A propósito: quem participar da Jornada Mundial da Juventude, em julho, terá
muitas chances de abrir suas confissões. Haverá nada menos que 600 confessionários
móveis disponíveis na cidade.
Rapazes ficam constrangidos. Moças são espontâneas
“Os jovens da igreja da Zona Oeste, quando se confessam, falam sobre
pornografia virtual, masturbação e iniciação sexual”, relata um padre. Num
bairro da Zona Norte da área da Leopoldina, o pároco também diz que o sexo
permeia as confissões masculinas, dos 17 aos 40 anos. “A maioria dos
adolescentes revela na confissão que já teve iniciação sexual, mas fica
constrangida, contrita. Já as meninas falam abertamente, com naturalidade. Os
homens casados confessam gostar de pornografia pela internet e infidelidade
virtual”, afirma o religioso.
Naquela paróquia, as mulheres não citam quase a questão de infidelidade,
real ou virtual. Porém, reclamam de problemas matrimoniais. Dizem que o
casamento esfriou com a rotina e que os maridos se dedicam muito ao trabalho e
pouco a elas e aos filhos.
“Os homens se sentem bons pais e maridos só porque não deixam faltar nada em
casa, e se queixam de não receberem a atenção devida”, ressalta o padre. Acima
dos 40 anos, tanto homens quanto mulheres usam o confessionário para desabafar,
contando problemas dos filhos.