O governo fez nesta quinta-feira duas investidas para tentar diminuir a temperatura da crise gerada pelas suspeitas de irregularidades na compra de vacinas, cujo principal elemento são as denúncias em torno da Covaxin. O Ministério da Saúde anunciou o cancelamento do contrato de aquisição do imunizante, que já havia sido suspenso, e a Controladoria-Geral da União (CGU) sustentou que não foram encontrados indícios de corrupção no negócio, firmado com a Precisa Medicamentos, empresa que representava o laboratório indiano Bharat Biotech. Apesar do esforço do Executivo para desinflar o caso e, com isso, esvaziar a CPI da Covid, os principais personagens da comissão deixaram claro que vão mantê-lo na mira das apurações.
O relator do colegiado, senador Renan Calheiros (MDB-AL), rechaçou a possibilidade de a investigação ter perdido o sentido com o cancelamento do contrato:
— Seria muito bom se a CGU tivesse investigado lá atrás. Se isso tivesse acontecido, não haveria nem CPI. Agora não, agora é tarde, ela vai apenas colaborar nesse trabalho de fôlego que está se fazendo. Nós temos mais informações do que tínhamos no início e vamos apurar em todas as direções necessárias.
Na mesma linha, o presidente da comissão, Omar Aziz (PSD-AM) disse que o governo “demorou muito” para averiguar o que o Brasil já sabia por meio da CPI. Ele também cobrou que seja divulgado o contrato entre a Precisa e a Bharat Biotech para verificar qual foi o valor da comissão dado à empresa brasileira.
— O que a CGU e o ministro Queiroga falaram, nós já sabíamos há muito tempo. Demorou bastante, né? E ainda têm servidores que continuam nos mesmos cargos e que ajudaram a fazer esse tipo de coisa — declarou Aziz, citando como exemplo Elcio Franco, que foi secretário-executivo do Ministério da Saúde e hoje ocupa função no Palácio do Planalto.
O atual titular da pasta, Marcelo Queiroga, concedeu uma entrevista coletiva, ao lado do ministro da CGU, Wagner Rosário, para oficializar a ruptura do compromisso com a Precisa. O contrato em questão, fechado em tempo recorde, previa a compra de 20 milhões de doses da Covaxin por R$ 1,6 bilhão, a mais cara entre as adquiridas pelo governo. Nenhum imunizante chegou a ser entregue, assim como nada foi pago.
— O contrato, independente de qualquer outro ponto, já perdeu o objeto, e o Ministério da Saúde apenas aguarda o posicionamento da Precisa para considerar esse assunto Bharat Biotech encerrado — afirmou Queiroga.
Na mesma ocasião, a CGU apresentou os resultados da auditoria realizada na transação, que, no primeiro momento, foi suspensa temporariamente por orientação do próprio órgão, em virtude das suspeitas de ilegalidades. Ontem, na mesma coletiva, Rosário afirmou que não há relação com corrupção ou desvios de dinheiro na compra da vacina e que encaminhará os resultados da auditoria à Polícia Federal e ao próprio Ministério da Saúde.
— Não houve nenhuma celeridade indevida. Há a verificação clara de que a situação da pandemia justificava o rito célere que foi adotado, e o mais importante a se esclarecer: toda a celeridade do processo está especificada nos despachos — argumentou o chefe da CGU.
Apesar de afastar a tese de corrupção, Rosário afirmou que os técnicos da controladoria identificaram irregularidades durante as negociações: a adulteração em assinaturas de dois documentos — uma procuração e uma declaração de inexistência de fatos impeditivos para assinar a compra, ambos apresentados pela Precisa ao Ministério da Saúde.
— Esses dois documentos foram confeccionados a partir da colagem de um miolo de imagem de texto em português sob uma moldura de imagem de outro documento digitalizado. Não temos certeza de quem fez isso. A Bharat Biotech não reconhece nem que fez nem que autorizou a Precisa a fazê-lo, e isso ainda vai ser alvo de novas investigações — concluiu.
“Não para nada”
Na semana passada, quando anunciou o rompimento com a Precisa, o laboratório já havia afirmado que não reconhecia os documentos. Rosário também disse que que não há por que “agradecer” o chefe da divisão de importação do Ministério da Saúde, Luis Ricardo Miranda, que encontrou possíveis irregularidades na compra da Covaxin e as teria reportado ao presidente Jair Bolsonaro, em uma reunião no Palácio da Alvorada no dia 20 de março.
— Eu não agradeço nem parabenizo ninguém. O que eu falo é o seguinte: os controles internos do ministério, e isso me deixa muito feliz, estão funcionando. Os fatos, com a troca de e-mails, foram identificados pela equipe, as correções foram feitas.
Outro integrante da CPI, o senador Otto Alencar (PSD-BA) fez coro a Renan e Aziz e deixou claro que a comissão dará sequência às apurações.
— Nada vai fazer a CPI recuar. O governo cancelou o contrato, passando recibo do que estava errado. E quem identificou fomos nós, da CPI. A comissão mostrou que o governo ia fazer uma compra e que tinha corrupção no contrato. Então, não para absolutamente nada na CPI, até porque há várias outras frentes de investigação também.
Jornal Extra