O juiz federal Sérgio Moro, de Curitiba (PR), decidiu na tarde desta segunda-feira retirar o sigilo de parte do acordo de delação premiada do ex-ministro Antonio Palocci. Ele fechou o acordo com a Polícia Federal no Paraná em abril deste ano.
À PF, Palocci narrou supostas irregularidades envolvendo os ex-presidentes da República Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, ambos do PT, e o ex-presidente da Petrobras, José Sérgio Gabrielli (hoje coordenador de campanha do presidenciável petista Fernando Haddad). Em entrevistas anteriores sobre o assunto, eles negaram irregularidades.
Nos trechos divulgados por ordem de Moro, Palocci também acusa políticos de outros partidos, como os ex-deputados do MDB Henrique Eduardo Alves (RN) e Eduardo Cunha (RJ). O presidente da República, Michel Temer (MDB), também é mencionado. Os três sempre negaram qualquer participação em irregularidades envolvendo a Petrobras.
Palocci está preso desde setembro de 2016 na Superintendência da PF em Curitiba - mesmo local onde está detido o ex-presidente Lula. Palocci já foi condenado na Lava Jato a 12 anos e dois meses de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, num caso envolvendo a empreiteira Odebrecht.
Ao longo de 2017, Palocci disse em vários depoimentos públicos a Moro que estava disposto a colaborar com a Lava Jato. Em setembro passado, por exemplo, o ex-ministro da Fazenda e da Casa Civil nos governos Lula e Dilma afirmou a Moro que as palestras do ex-presidente, contratadas pela Odebrecht, eram parte de um 'pacto de sangue' entre Lula e a empreiteira.Palocci tentou negociar um acordo de delação com o Ministério Público Federal (MPF), que recusou a oferta dele no começo de 2018. O procurador Carlos Fernando dos Santos Lima, que integrava a força-tarefa da Lava Jato à época, chegou a dizer que a proposta de delação de Palocci era mais um "acordo do fim da picada" do que uma "delação do fim do mundo".Apesar das críticas dos procuradores, Palocci fechou a negociação com a PF, e o acordo foi aceito pelo Tribunal Regional Federal (TRF) da 4ª Região, sediado em Porto Alegre (RS), em junho deste ano.
Ao aceitar o acordo de Palocci, o desembargador federal João Pedro Gebran Neto escreveu que a homologação não é o momento "adequado para aferir a idoneidade dos depoimentos dos colaboradores". Os supostos crimes narrados por Palocci "deverão ser reforçados por prova", disse Gebran. Ele lembra ainda que Palocci pode, inclusive, perder os benefícios conseguidos caso suas declarações não sejam provadas depois.Os depoimentos revelados na segunda-feira por Moro foram concedidos por Palocci ao delegado da PF paranaense Filipe Hille Pace, em março deste ano.
Em resposta à divulgação da delação, a defesa de Lula negou as irregularidades citadas por Palocci e acusou Moro de "agir politicamente". Divulgar a delação agora é tentar criar uma 'bala de prata' às vésperas do pleito deste domingo, disse a defesa.
Em nota, a ex-presidente Dilma rechaçou as acusações de Palocci e disse que ele fez uma "delação implorada". "Dadas em abril deste ano, as declarações do senhor Palocci tentam incriminar Lula, Dilma e outros dirigentes do PT, para obter o prêmio da liberdade, da redução da pena e da posse de recursos os quais é acusado de ter acumulado ilegalmente", diz um trecho.
Conheça abaixo alguns dos principais pontos da delação de Palocci divulga nesta segunda-feira:
1. '90% das medidas provisórias editadas nos governos Lula e Dilma tinham propina'
Em seu termo de delação, Palocci enumera algumas das formas que seriam usadas pelos partidos e políticos para receber propina. Entre elas, estaria a adição de emendas a medidas provisórias, feitas sob encomenda para atender a interesses de empresas e setores econômicos - que depois pagam os políticos. Segundo Palocci, 90% das emendas parlamentares editadas nos anos Lula e Dilma envolveram propina: ou foram editadas pelo governo com este objetivo, ou receberam emendas fraudulentas no Congresso.
O delator "estima que das mil medidas provisórias editadas nos quatro governos do PT, em pelo menos novecentas houve tradução de emendas exóticas em propina", diz o texto.
Palocci, porém, errou o número: durante os anos do PT no poder, foram editadas 624 medidas provisórias, segundo relatório da Secretaria-Geral da Mesa da Câmara, gerado a pedido da BBC News Brasil.
2. 'A maior parte das doações oficiais de empresas, registradas no TSE, eram na verdade propina'
Discorrendo sobre as doações de empreiteiras, Palocci diz que uma parte das grandes obras contratadas pela Petrobras fora do período eleitoral eram depois pagas com propinas na hora da eleição. "Grandes obras contratadas fora do período eleitoral faziam com que os empresários, no período das eleições, combinassem com os diretores (da Petrobras) que o compromisso político da obra firmada anteriormente seria quitado com doações oficiais acertadas com os tesoureiros dos partidos, coligações, etc", disse.
Segundo Palocci, o dinheiro dado "por dentro", isto é, de forma oficial, pode também ser ilícito, "bastando que sua origem seja ilícita".
"A doação oficial pode ser lícita e ilícita, bastante verificar sua origem, sendo criminosa quando originadas em acertos de corrupção", disse. "a maior parte das doações registradas no TSE é acometida de origem ilícita", diz um trecho do depoimento.
3. 'Temer, Eduardo Cunha e Henrique Eduardo Alves superfaturaram um contrato de US$ 800 milhões na Petrobras'
No começo do governo Lula, em 2003, o PMDB não tinha qualquer cargo na Petrobras. Isto mudou a partir de 2008, quando o ex-deputado Fernando Diniz (MDB) e outros emedebistas do Congresso conseguiram emplacar Jorge Zelada como diretor da área Internacional da Petrobras, segundo Palocci.
Como exemplo, Palocci diz que Zelada "tratou de promover a celebração de um contrato" na área internacional com a Odebrecht "com larga margem para propina, a qual alcançava cerca de 5% do valor total de 800 milhões de dólares, ou seja, 40 milhões". "O contrato, tamanha a ilicitude revestida nele, teve logo seu valor revisado e reduzido de 800 para 300 milhões", diz um trecho do depoimento - Palocci afirma ainda que o tema foi tratado por delatores da Odebrecht.
4. 'Em reunião de 2010, Lula, Dilma e Sérgio Gabrielli acertaram propina por meio da construção de sondas'
Na delação, Palocci narra uma reunião "no início de 2010", da qual ele teria participado com Lula, Dilma Rousseff e o ex-presidente da Petrobras e hoje coordenador de campanha de Haddad, José Sérgio Gabrielli.
Na reunião, diz Palocci, Lula "foi expresso ao solicitar do então presidente da Petrobras (Gabrielli) que encomendasse a construção de 40 sondas para garantir o futuro político do país e do PT, com a eleição de Dilma, produzindo-se os navios para exploração do pré-sal e recursos para a campanha que se aproximava".
No encontro, Lula "afirmou que caberia ao colaborador (Palocci) gerenciar os recursos ilícitos que seriam gerados e o seu devido emprego na campanha de Dilma". Aquele foi o primeiro encontro realizado por Lula no qual tratou-se da "arrecadação de valores a partir de grandes contratos da Petrobras", segundo o delator.
5. '3% do valor dos contratos de publicidade da Petrobras iam para o caixa do PT'
Sobre os esquemas de corrupção na Petrobras, Palocci afirma que 3% do total das verbas de publicidade da estatal petroleira eram desviados para o caixa do PT. O esquema seria operado por Wilson Santarosa, que à época chefiava a Gerência Executiva de Comunicação Institucional da estatal.
Santarosa era "conhecido líder sindical dos petroleiros e do PT de Campinas (SP), era pessoa ligada a Lula, a Luiz Marinho (hoje candidato do PT ao governo de São Paulo) e Jacob Bittar. Em sua gerência, foram praticadas ilicitudes em conjunto com as empresas de marketing e propaganda". As empresas "destinavam cerca de 3% dos valores dos contratos de publicidade ao PT através dos tesoureiros".
6. 'Lula fingiu surpresa ao descobrir irregularidades na Petrobras'
Palocci descreve um encontro reservado com Lula em fevereiro de 2007, logo depois da reeleição do petista para o segundo mandato presidencial. A reunião ocorreu "em ambiente reservado, no primeiro andar" do palácio da Alvorada.
Lula estava "bastante irritado", e disse a Palocci ter ficado sabendo que os ex-diretores da Petrobras Renato Duque (ligado ao PT) e Paulo Roberto Costa (indicado pelo PP) estavam cometendo crimes em suas diretorias. Lula, então, questionou Palocci sobre a veracidade dos relatos, e o delator teria confirmado a ele que sim, havia irregularidades. Lula, então, perguntou quem tinha nomeado os dois, e Palocci respondeu que foram nomeados pelo próprio Lula.
O delator diz acreditar que Lula "agiu daquela forma porque as práticas ilícitas dos diretores da estatal tinham chegado aos seus ouvidos e ele queria saber qual era a dimensão dos crimes, bem como sua extensão, e também se o colaborador (Palocci) aceitaria sua versão de que não sabia das práticas ilícitas que eram cometidas em ambas as diretorias, uma espécie de teste de versão, de defesa".
"Essa prática empregada por Lula era muito comum", diz o depoimento. "Era comum Lula, em ambientes restritos, reclamar e até esbravejar sobre assuntos ilícitos que chegavam a ele e que tinham ocorrido por sua decisão. A intenção de Lula era clara no sentido de testar os interlocutores sobre seu grau de conhecimento e o impacto de sua negativa", diz o texto.