Quatro dias depois que a Assembleia Legislativa do Rio decidiu soltar os deputados Jorge Picciani, Paulo Melo e Edson Albertassi, todos do PMDB, acusados de envolvimento em esquema de propina na Casa, os desembargadores da Seção Criminal do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2), responsáveis pela prisão, voltam a se reunir amanhã para novas deliberações sobre a Operação Cadeia Velha. A força-tarefa da Procuradoria Regional da República vai pedir o afastamento dos três do mandato até que as investigações sejam concluídas. Se a medida for acolhida, será um atrito do TRF-2 com a Alerj, uma vez que os deputados estaduais também decidiram, na plenária de sexta, derrubar a hipótese de afastamento, mesmo sem terem sido provocados.
A procuradora regional Silvana Batini, integrante da força-tarefa, disse que o pedido de licença espontânea, apresentado ontem por dois dos acusados, Jorge Picciani e Edson Albertassi, não anula o afastamento. De acordo com ela, a licença tem prazos estabelecidos pelos próprios parlamentares — ambos em fevereiro do ano que vem, após o recesso. Já o afastamento não tem: está vinculado diretamente ao avanço nas investigações. O pedido já está pronto, mas talvez nem entre em pauta. Isso porque, em comunicado público, o próprio TRF-2 anunciou que examinará na sessão de amanhã uma “questão de ordem” levada diretamente pelos desembargadores.
Até o momento, é sabido apenas que será feito um relato dos fatos ocorridos no dia da votação, como a vedação do acesso de uma oficial de Justiça à Casa, cujo objetivo era intimar a Mesa Diretora a abrir as galerias a populares, a suposta simulação de galerias lotadas, com uso de servidores dos gabinetes dos próprios parlamentares, e a libertação dos três acusados sem que a decisão da Alerj tivesse passado antes pelo TRF-2. Esta última medida causou forte reação entre os magistrados, que entendem ser exclusivamente de autoridades judiciárias a prerrogativa de prender e soltar pessoas.
A convocação da sessão de terça-feira foi feita pelo presidente da Seção Criminal, desembargador Ivan Athiê, em demonstração de que os desembargadores estão unidos em torno das providências a serem tomadas daqui para frente. Uma das hipóteses cogitadas, caso uma eventual decisão de afastamento não seja cumprida, é um pedido de intervenção federal na Alerj a ser apresentado ao Supremo Tribunal Federal (STF). Para juristas que acompanham o caso, será uma oportunidade para o Supremo esclarecer a extensão da decisão sobre o caso Aécio Neves — quando a Corte decidiu que as medidas cautelares contra o tucano mineiro teriam de ser revalidadas pelo Senado.
Licença para se defender
O caso do Rio de Janeiro é o primeiro que envolve a soltura de deputados presos após a decisão do Supremo sobre a questão Aécio Neves — as assembleias do Mato Grosso do Sul e do Rio Grande do Norte também decidiram derrubar cautelares de prisão, mas de situações anteriores ao posicionamento do Senado. No pedido ao TRF-2, a força-tarefa da “Cadeia Velha” vai sustentar que o afastamento, com relação ao precedente Aécio, não está claro e não é vinculante às casas legislativas estaduais, além de não ter tido ainda o acórdão publicado.
— Algumas assembleias legislativas já andaram soltando deputados, mas eram casos anteriores ao julgamento do Supremo. Pegaram carona. A situação do Rio é o primeiro fato novo que ocorre. Então, vamos sustentar que o julgamento não se aplica a deputados estaduais, mas apenas a federais e senadores — disse Silvana.
Presidente da Alerj, Picciani divulgou nota informando que vai tirar licença não remunerada a partir de amanhã e só deverá retornar à Alerj em fevereiro de 2018, após o recesso. Ele explicou que a razão imediata para o pedido “é o fato de querer se dedicar à sua defesa e à do filho”, Felipe Picciani, preso desde terça-feira.
Também ontem, em nota, o deputado Edson Albertassi comunicou que ficará de licença pelo menos até o fim do recesso parlamentar de janeiro, para cuidar de sua defesa. Com isso, afasta-se também da liderança do Governo — decisão comunicada ao governador Pezão — e de todas as comissões que integra.
Provocada sobre as decisões tomadas na plenária de sexta-feira, a assessoria de Comunicação da Alerj informou: “A rotina de alvarás de soltura a serem expedidos pelo Judiciário é cuidadosamente disciplinada no Código de Processo Penal. Ocorre que esse tema, a prisão de parlamentar federal, estadual ou distrital, por ter estatura constitucional, não é regida pelo Código de Processo Penal. Se fosse, os autos de prisão em flagrante de parlamentar deveriam ser enviados ao Judiciário, o que nunca ocorre porque são remetidos à Casa Legislativa respectiva.”
Acrescentou que “o procedimento da última sexta-feira foi o mesmo adotado nos casos de soltura, pela Alerj, dos ex-deputados Álvaro Lins (2008) e José Nader Júnior (2005). Não houve qualquer questionamento jurídico na ocasião”.
A assessoria também confirmou que a resolução votada na sexta-feira alcança o afastamento, não se limitando apenas à revogação da prisão: “Nos termos do Artigo 53, parágrafo 2°, aplicável aos Deputados Estaduais por força do art. 27, parágrafo 1°, e aos Deputados Distritais tendo em vista o Artigo 32, parágrafo 3°, todos da Constituição Federal, não há prisão preventiva contra deputado federais, senadores, deputados estaduais nem deputados distritais. O que pode ocorrer é prisão em flagrante por crime inafiançável. Neste caso, a Câmara dos Deputados, o Senado Federal, cada Assembleia Legislativa e a Câmara Legislativa decidirão sobre a prisão. O projeto de resolução votado pela Alerj fala do afastamento na medida em que esta seria a consequência natural caso tivessem sido mantidas as prisões.”
Na mais importante ofensiva contra a corrupção no Rio desde a prisão do ex-governador Sérgio Cabral, em novembro do ano passado, a operação Cadeia Velha revelou o braço do esquema no Legislativo. Deputados estaduais, empresários e intermediários são acusados de manter uma caixinha de propina destinada à compra de decisões na Alerj para o setor de transportes. O esquema, concluíram os investigadores, teria começado nos anos 1990, por Cabral, e hoje seria comandado pelo presidente da Casa, Picciani, por seu antecessor, Paulo Melo, e pelo líder do governo Edson Albertassi, caciques do PMDB fluminense.
Na sexta-feira passada, enquanto a Alerj libertava os acusados, o desembargador Abel Gomes, relator da Cadeia Velha, determinou o bloqueio cautelar de contas e o arresto de bens de 13 pessoas e 33 empresas investigadas na operação. Os valores dos bens bloqueados de Jorge Picciani, Paulo Melo e Edson Albertassi somam R$ 270 milh.ões. Ele também renovou por mais cinco dias a prião temporária de Felipe Picciani, filho do presidente da Alerj.
Fonte: Extra