Eleições influenciam o destino do dinheiro das inéditas emendas da Alerj
Cada deputado teve R$ 2,7 milhões para indicar projetos que o governo estadual será obrigado a custear.
Pela primeira vez, os 70 deputados estaduais do Rio puderam apresentar emendas impositivas (cujos pagamentos são obrigatórios), dispondo de R$ 190,3 milhões para investir em seus projetos. Cada um terá direito a cerca de R$ 2,7 milhões — verba que sairá do combalido orçamento do estado, que tem uma previsão de déficit de R$ 8,5 bilhões para este ano.
Lei de Acesso à Informação (LAI) mostram que boa parte dos recursos foi destinada aos redutos eleitorais dos parlamentares e que 14 dos 92 municípios fluminenses não foram contemplados com um centavo sequer.
Prefeito de Areal, Gutinho Bernardes (PP) foi um dos que bateram em gabinetes para mostrar seus projetos em vão:
— Infelizmente a ótica que impera é o capital político. Somos uma cidade pequena com pouca expressão de voto. Qualquer recurso num município pequena faz diferença. Mas acho que vai melhorar porque, daqui a dois anos, o parlamentar vai buscar nosso apoio para a reeleição dele.
A menor foi São Sebastião do Alto, que tem apenas sete mil moradores. O secretário de Governo de Bom Jardim, na Região Serrana, Hudson Monnerat, lembra que o grupo político que administra hoje a cidade não conseguiu eleger um deputado estadual, mas que recebe apoio de parlamentares do governo federal.
— A gente está meio órfão de deputado estadual e, pela nossa experiência, isso é prejudicado e faz falta — explica.
Em nota, a Alerj defende que as emendas representam o “livre exercício da atividade parlamentar” e que estuda uma forma de destinar recursos para todo o estado.
Prazo para liberar verbos
O orçamento impositivo foi aprovado na Assembleia Legislativa em outubro do ano passado, quando foi votada a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que retirou a Carta do Estado o artigo que só permitia as emendas após o fim do Regime de Recuperação Fiscal do Rio. Sem o obstáculo, 0,37% da arrecadação com impostos, como o IPVA e o ICMS, será destinado aos deputados, que definirão como o dinheiro será gasto — desde que pelo menos 30% fiquem para saúde e 30% para a educação. A Constituição Federal determina o limite de 2% da Receita Corrente Líquida (RCL) do orçamento para as emendas impositivas. O percentual é o aprovado pelo Congresso Nacional.
A antecipação do orçamento impositivo foi muito comemorada por governantes e oposicionistas no ano passado, já que, antes, o parlamentar pessoalmente negociou diretamente com o Executivo para ver seu projeto sair do papel. Mas ainda há uma entrada para os políticos incluídos na conquista na próxima campanha eleitoral. É que a Lei Orçamentária Anual (LOA), aprovada pela Alerj, estipula o prazo até 31 de maio para o governo liberar esses recursos.
No entanto, o governador Cláudio Castro vetou esse dispositivo, o que em ano de eleição pode ser crucial: pela legislação, os candidatos só podem participar de inaugurações e entregas de equipamentos até a primeira semana de julho. O movimento agora na Assembleia é para derrubar esse veto.
— A Casa vai conversar com o Executivo para tentar encontrar a melhor forma. Existe um problema de logística por ser algo novo — diz Dr. Serginho (PL), líder do governo na Alerj.
Em nota, a Secretaria estadual de Planejamento diz que o veto ocorreu porque a Constituição estadual indica a necessidade de uma outra lei para definir as regras de aplicação dos recursos e acrescenta que “as emendas impositivas serão aplicadas a uma análise técnica na qual serão avaliadas os critérios estabelecidos para a execução do que foi proposto”.
Os dados mostram que, enquanto a capital recebeu R$ 3,37 por habitante em emendas, Paracambi, na Baixada Fluminense, angariou o maior valor per capita: R$ 102,41.
Os dois únicos deputados que destinaram recursos para a cidade têm todo o seu reduto eleitoral e estão de olho no pleito de outubro.
A prefeita atual é Lucimar Cristina da Silva Ferreira, mulher do secretário estadual de Agricultura, Dr. Flávio, que é irmão do deputado estadual Dr. Ela já está em seu segundo mandato e seu grupo político tem a intenção de lançar como sucessora da aliada Aline Otília (PL), hoje presidente da Câmara Municipal.
Também pode concorrer à vaga de prefeito o deputado Andrezinho Ceciliano (PT), filho do ex-presidente da Alerj e ex-prefeito de Paracambi André Ceciliano (PT) — hoje secretário especial de Assuntos Federativos. Juntos, os dois deputados estaduais destinaram R$ 4,2 milhões a Paracambi. “É natural que os parlamentares destinem emendas para seus domicílios eleitorais e onde foram mais votados. O eleitor espera isso dos políticos, inclusivos”, disse, em nota, Andrezinho.
Em Belford Roxo, a disputa entre dois grupos políticos já travou os serviços públicos da cidade e agora conta com um ingrediente para pesquisar o cofre público: as emendas federais e estaduais. De Brasília, a deputada federal Daniela do Waguinho, a mulher do prefeito Wagner Carneiro, o tio do pré-candidato à sucessão Matheus Carneiro, destinou no ano passado R$ 20 milhões ao município. Ela defende que não “envolva qualquer pensamento que vise às eleições deste ano, mas sim à necessidade de cada município”. Na Alerj, o pré-candidato Márcio Canella destinou todos os recursos disponíveis para Belford Roxo. Ele defende que os equipamentos adquiridos para a saúde, conforme consta de algumas de suas emendas, poderão ser usados por toda a Baixada.
Essa disputa acaba deixando São João de Meriti no topo do ranking das cidades com mais recursos de emendas — só perde para o governo do estado e a capital. Além de Carneiro e Canella, são pré-candidatos os deputados Léo Vieira e Valdecy da Saúde. Outro parlamentar que aumentou a fatia do município foi Giovanni Ratinho (Solidariedade), que é pai do vereador Giovanni Ratinho Junior (Solidariedade), que deve ir às urnas. Esses três destinaram R$ 7,2 milhões para São João de Meriti (72% das emendas recebidas pela cidade).
— Eu moro aqui. Quero ver a cidade crescer. Não tem nada direcionado com política — justifica Ratinho pai.
Parentesco ajuda
O advogado especialista em direito eleitoral Eduardo Damian diz que até aos familiares são proibidos de pedir votos em inaugurações no período eleitoral.
— Eles também não podem fazer alusão à candidatura dos pais na manifestação. Outra orientação é que não se pode criar programa social no ano eleitoral, podendo apenas investir naqueles projetos já existentes — explica.
Reduto eleitoral da família Cozzolino, Magé também foi eleito pelo deputado Vinícius Cozzolino (União), que destinou 80% das verbas para o município. Ele é primo do prefeito Renato Cozzolino (PP).
— eu tenho que destinar as emendas para onde eu conheço. Não vejo nenhuma informação específica. O que a gente espera é que, a partir de agora, as pessoas procurem os deputados também e mostrem projetos — disse o deputado.
Fonte O Globo
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