Decisão monocrática foi assinada pelo ministro Alexandre de Moraes. Defesa ainda pode recorrer
O Supremo Tribunal Federal (STF) derrubou uma decisão da Justiça do Trabalho e negou o vínculo empregatício entre um motorista de aplicativo e a Cabify. A decisão, do ministro Alexandre de Moraes, foi proferida a partir de um recurso da empresa à Corte, após ter sido condenada pelo Tribunal Regional do Trabalho de Minas Gerais (TRT-3). Concorrente do Uber e da 99, a companhia espanhola deixou de operar no Brasil há quase dois anos, em junho de 2021.
Na primeira instância, o motorista de aplicativo teve o pedido de reconhecimento do vínculo trabalhista com a empresa negado. O profissional, então, recorreu da decisão, e a 11ª Turma do TRT-3 condenou a plataforma a pagar R$ 38 mil ao motorista, o que incluía, além das remunerações referentes aos meses trabalhados, todos os direitos devidos, como aviso prévio de 30 dias, 13º salário proporcional, férias e multa de 40%, além do valor relativo ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). Os desembargadores também condenaram a Cabify a anotar os dados do contrato na Carteira de Trabalho (CTPS) do condutor.
A plataforma, então, recorreu ao Supremo, argumentando que a decisão da Justiça trabalhista desrespeitou entendimentos do próprio STF, como o que reconhece a legalidade de outras formas de trabalho que não a regida pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), como a terceirização (ADPF 324).
A Cabify ainda afirmou que o trabalho era realizado pelo profissional "através da plataforma tecnológica, e não, necessariamente, para ela". Por isso, o profissional não deveria ser enquadrado como trabalhador, já que poderia decidir quando e se prestaria seu serviço de transporte para os usuários do aplicativo, "sem qualquer exigência mínima de trabalho, de número mínimo de viagens, de faturamento mínimo, sem qualquer fiscalização ou punição pela decisão do motorista".
Além disso, a empresa citou uma decisão de 2020 do STF, que declarou como constitucional a contratação como trabalhador autônomo, ou seja, sem vínculo empregatício, de motorista de carga, proprietário de veículo próprio e que tem relação de natureza comercial (ADC 48).
O argumento foi acatado por Moraes, que determinou que o caso deve ser apreciado pela Justiça comum.
"A relação estabelecida entre o motorista de aplicativo e a plataforma reclamante mais se assemelha com a situação prevista na Lei 11.442/2007, do transportador autônomo, sendo aquele proprietário de vínculo próprio e que tem relação de natureza comercial", escreveu o ministro na decisão.
Professor de Direito do Trabalho do Ibmec-RJ e do Ceped-Uerj, Leandro Antunes explica que, ao reconhecer a relação como prestação de serviço, o STF adere a entendimentos prévios de que julgamentos sobre a relação de profissionais liberais são uma atribuição da Justiça comum. No entanto, ele avalia que a decisão esvazia a atuação da Justiça trabalhista.
— Com todo o respeito, não vejo descumprimentos aos entendimentos do STF. A decisão impacta muito, à medida que tira da Justiça do Trabalho a competência que é dela de verificar a possibilidade do vínculo empregatício. Quando isso é deslocado para a Justiça comum, é como se o STF já dissesse que não existe a relação empregatícia — opina.
Decisão monocrática
O entendimento de Moraes é monocrático, ou seja, assinado apenas por ele, e ainda precisa ser apreciado pelos outros ministros da 1ª Turma. A defesa do motorista ainda pode recorrer.
Christiana Fontenelle, sócia da área trabalhista do Bichara Advogados, destaca que a decisão é a primeira do tipo no STF. Ela opina que o entendimento pode servir como precedente para outras ações que envolvem a possibilidade de reconhecimento de vínculo trabalhista, inclusive aquelas relacionadas a entregadores de aplicativo:
— A decisão está bastante em linha com as decisões anteriores que são mencionadas pela defesa da empresa. É a primeira decisão do Supremo analisando esse processo de "uberização", essas relações de trabalho mediadas por plataforma. Certamente servirá como precedente para ações semelhantes. Tem uma força tremenda nesse momento.
Regulamentação
Em 2021, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) calculou que o país já tinha 1,5 milhão de pessoas atuando com transporte de passageiros e entregas via aplicativos. A maioria (61,2%) trabalhava como motoristas de apps ou taxistas, 20,9% faziam entregas com motos, e 14,4% eram mototaxistas.
A regulamentação do trabalho por aplicativo não é assunto simples. Com lideranças descentralizadas, algumas associações e sindicatos que representam motoristas e entregadores defendem que as profissões sejam regulamentadas de maneira vinculada à CLT, enquanto outras entidades rechaçam a possibilidade, optando por uma solução intermediária.
No início do mês, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou um decreto que criou um grupo de trabalho para a regulamentação do trabalho por aplicativos. A iniciativa será composta por membros de nove ministérios, seis sindicatos e cinco representantes dos empregadores, e será responsável por formular propostas para regulamentar "as atividades de prestação de serviços, transporte de bens, transporte de pessoas e outras atividades executadas por intermédio de plataformas tecnológicas”.
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