Filas diferentes por pagamento? Taxa no crédito ou no débito? Troco pode ser em produto? E estorno, tem que ser no mesmo meio do pagamento? Entenda seus direitos“Pode pagar no Pix?” virou uma pergunta corriqueira no dia a dia dos consumidores brasileiros desde que as transferências instantâneas foram implementadas pelo Banco Central (BC), em 2020. De lá para cá, o sistema vem batendo recordes, abocanhando a participação de outros meios de pagamento, incluindo o dinheiro em espécie. Mas cartões, notas e moedas ainda fazem parte da carteira dos brasileiros, e, com a variedade de possibilidades, surge a dúvida: o que pode e o que não pode ser exigido na hora do pagamento
Na última semana, virou debate nas redes a foto de um aviso numa cafeteria da rede The Coffee que alertava: “Dinheiro não, por favor”. Nos comentários, houve quem defendesse a prática, sob o argumento de que muita gente já não usa mais dinheiro vivo.
Outros reclamaram, dizendo que já chegaram a desistir de comprar produtos da marca pela recusa, e alguns ainda explicaram que, na verdade, a rede não recusa pagamento em dinheiro, mas prefere transações eletrônicas, via cartão ou Pix. De fato, a própria imagem da plaquinha na loja cita “agilidade, higiene e segurança”. O EXTRA procurou a rede The Coffee, mas não obteve resposta.
A discussão, porém, já estava formada, com questionamentos de usuários sobre se a exigência poderia ou não acontecer. Segundo a legislação, não. Diretor jurídico do Instituto Brasileiro de Cidadania (Ibraci), o advogado Gabriel de Britto Silva explica que a moeda corrente no país é o único meio de pagamento que obrigatoriamente deve ser aceito por qualquer estabelecimento ou fornecedor.
— O papel-moeda e as moedas jamais poderão ser recusados. Porém, o fornecedor não é obrigado a aceitar cartão de débito, crédito e Pix como formas de pagamento, considerando que são meios que exigem a contratação de serviços junto a instituições financeiras, e que oneram a operação — afirma.
Aqui outras dúvidas recorrentes de consumidores na hora das compras.
Produto pode ter preços diferentes se o pagamento for no cartão, dinheiro ou Pix?
Uma lei federal de 2017 autorizou a diferença de preços de acordo com o meio de pagamento, desde que o estabelecimento informe expressamente os preços praticados para cada opção. No entanto, segundo Britto Silva, há entendimento de que o Código de Defesa do Consumidor (CDC) se sobrepõe à lei.
Ele explica que a Justiça já entendeu que, pelo CDC, não poderia haver diferença de preço de acordo com o meio de pagamento, sendo considerado cobrança indevida qualquer valor adicional:
— Sob esse aspecto, o fornecedor tem a opção de aceitar apenas o valor em espécie e, quando opta por aceitar outros meios, devem recair exclusivamente sobre ele os custos operacionais do uso do crédito, débito ou Pix.
A loja pode mudar a ordem da fila de acordo com o meio de pagamento, criando caixas diferentes?
Sim. O advogado explica que, em estabelecimentos físicos, a organização do local para melhorar a gestão da operação fica a cargo da empresa. O que é terminantemente proibido, claro, é a liberdade violar algum direito individual e gerar qualquer tipo de discriminação.
Para melhorar a eficiência do serviço, porém, não há nenhum tipo de impedimento:
— Porém, não pode haver mais caixas ou filas para um determinado meio de pagamento em detrimento de outros, sob pena de violação à igualdade e à isonomia que devem prevalecer entre os consumidores.
Existe um limite máximo para o troco? Até quantas vezes maior que a compra pode ser?
Não. O diretor jurídico do Instituto Brasileiro de Cidadania (Ibraci) explica que o troco é uma responsabilidade que recai exclusivamente sobre o fornecedor e que deve ser garantida ao consumidor.
Se o estabelecimento não tiver troco, o valor da compra deve ser arredondado para baixo, evitando prejuízo ao cliente. Pode-se, eventualmente, fornecer a diferença devida via Pix ou transferência, caso o consumidor concorde, diz Gabriel de Britto Silva:
— Considerando que a nota máxima do real é de R$ 200, ainda que um produto ou um serviço seja ofertado por R$ 0,01 ou por R$ 1, o cliente pode pagar com a cédula, e o estabelecimento deve obrigatoriamente ter troco.
O estabelecimento pode dar algum produto no lugar do troco?
Sim, mas desde que o consumidor concorde e escolha essa opção. Apesar de ser uma prática comum em alguns locais, os estabelecimentos não podem forçar a substituição do troco por algum produto vendido ou serviço prestado no local.
Se o pagamento é em espécie, é obrigatório que o troco deva se dar também em dinheiro — explica o especialista em Direito do Consumidor: — Porém, o consumidor pode consentir, se achar que lhe é mais benéfico, que o troco se dê via produto ou serviço. Essa opção deverá ser sempre de livre escolha do consumidor, nunca imposta pelo fornecedor.
Quando o cliente cancela uma compra, o estorno do valor pago deve ser no mesmo meio de pagamento?
Sim, mas se outra opção for mais vantajosa para o consumidor, e ele concordar, a devolução do pagamento pode acontecer por outro meio.
— Caso, por exemplo, uma compra tenha sido feita via cartão de crédito, e o fornecedor ofereça o estorno em dinheiro ou via Pix e de forma imediata, é possível, portanto, que assim seja realizado — cita Britto Silva.
Os prazos de devolução variam de acordo com o meio de pagamento. No caso dos cartões, depende da operadora, mas, em geral, variam de 15 a 30 dias.
O comerciante pode cobrar alguma taxa por pagamento no cartão, seja crédito ou débito?
Não. O diretor jurídico do Ibraci explica que jamais pode haver a cobrança de qualquer taxa fixa e/ou aleatória para pagamentos feitos via cartão de débito ou de crédito.
Ele lembra que a diferenciação de preços em função do meio de pagamento autorizado pela Lei federal 13.455, de 2017, deve ser no exato e restrito valor ou percentual cobrados pela instituição financeira para processamento da operação.
— Ao haver a cobrança de qualquer taxa em numerário superior, estará configurada prática abusiva — afirma.
Lojista pode estabelecer valor mínimo para pagamento em cartão?
Não. Britto Silva explica que os estabelecimentos não são obrigados a oferecer pagamento em cartão. No entanto, a partir do momento em que o meio é uma possibilidade, não é permitido exigir dos consumidores valores mínimos para as compras para uso do cartão.
— Ainda considerando que a Lei federal 13.455/2017 passou a autorizar a diferenciação de preços em função do instrumento de pagamento utilizado, não pode o fornecedor exigir valores mínimos para compras. Ao impor limite mínimo, o fornecedor, ao mesmo tempo, discrimina o consumidor que objetiva fazer compras de valores menores e ainda o induz a adquirir mais itens do que deseja para que haja o alcance do valor mínimo, o que configura prática abusiva — pontua.
Por Leticia Lopes