Cambuci é uma cidade do Noroeste Fluminense que tem um dos piores IDHs do Estado do Rio. Esta na 65ª posição numa lista de 92 cidades, logo a frente de São Fidélis e atrás de Aperibé, respectivamente, 66ª e 64ª colocadas no ranking.
Em tempos recentes a cidade se orgulhava da educação. Mesmo com as instabilidades política decorrente do afastamento de prefeitos por suspeitas de corrupção, os alunos das escolas públicas nadavam de braçada nas avaliações do MEC.
A saúde era outro cartão postal. O Hospital Moacyr Gomes de Azevedo era uma espécie de filho bonito da rede conveniada ao SUS. Os serviços de hotelaria era um primor, que não deixava a desejar diante de muitos hospitais particulares. Isso chegava a criar um problema, porque fazia com que o hospital absorvesse demandas de cidades vizinhas. Parou por aí.
O município agora parece uma aeronave sobrevoando uma zona turbulenta. O piloto, o prefeito Agnaldo Vieira Mello (PMDB), eleito em 2012, é um devoto da arrogância e a serviço da parentela. Nomeou a esposa Neide Mara como controladora Geral do Município, o pai Agnaldo Perez Mello secretário de Saúde (sem citar outros casos descritos) e parece ter incorporado um senhor de engenho. As questões que envolvem os cargos chaves da prefeitura ele resolve em família e outros que envolvem secretários sem laços com a corrente sanguínea é roupa suja que se lava em público. Alguns já receberam reprimendas diante de plateias.
ato mais recente desta governança familiar é a intervenção no Hospital Moacyr Gomes de Azevedo, administrado pela Associação Hospitalar de Cambuci. O prédio é da prefeitura, mas estava sob a gestão da entidade por meio de uma cessão de uso por 25 anos, formalizada em 2008, no governo do ex-prefeito Willian Cardoso.
No dia 28 de fevereiro a primeira-dama da cidade tomou a administração. Está ocupando as salas do departamento financeiro e administrativo. Os antigos gestores, como o presidente da Associação, Carlos Manoel Cruz Santos, só podem ter acesso aos setores da administração acompanhados por funcionários da prefeitura, alguns deles, seguranças municiados de câmeras e com postura de intimidação.
O único documento que garante este ato inusitado de apropriação é uma requisição, documento, cuja existência, virou chacota nos botecos. “Se faltar pinga e Viagra pede ao prefeito que ele requisita”, diz a frase que é voz corrente nas rodas de bares. A partir deste episódio oficial que seria cômico se não fosse trágico, guardas municipais, bem como seguranças, passaram a desfilar pelos corredores do hospital falando em nome do prefeito e da primeira-dama, fato testemunhado por este blog nesta quarta-feira, dia 19.
“Aqui o prefeito e a primeira dama não gostam de entrevistas. Eles não querem aparecer na Inter TV, TV Record ou jornal”, comenta uma guarda municipal que está com as chaves do hospital. “Em Cambuci não tem jornalistas e se precisar de algum é fácil encontrar, porque não é mais preciso ter diploma”, enfatizou a guarda civil que atuava como se fosse porta-voz do governo.
A moça, certamente, expressa o pensamento do status quo local. A informação não surpreende por se tratar de uma cidade onde a palavra transparência soa como palavrão e liberdade de imprensa como terrorismo. Nesse tipo de terra inóspita não se admite entrevistas. Só monólogo.
Investimento de R$ 1,5 milhão foi da iniciativa privada
O Hospital Moacyr Gomes de Azevedo foi reformado com recursos da iniciativa privada. O empresário Antônio Tavares investiu R$ 1,5 milhão na unidade por meio do Instituto de Beneficência e Ação Social. Antes de morrer, passou a administração e doou todos os equipamentos para a atual mantenedora.
Desde a última eleição, o prefeito passou a atacar a administração. Dizia no palanque que o Hospital de Cambuci foi transformado num ambiente para atendimento de ricos. Contudo, até setembro do ano passado honrou o pagamento de um convênio que repassava ao hospital uma quantia de R$ 120 mil/mês. Suspendeu os repasses arguindo que a entidade mantenedora não apresentava certidões negativas, embora a Associação tenha todas os documentos em dia, sendo, inclusive, beneficiária de um parcelamento de débitos de administrações anteriores junto a União. A entidade está no Refis e pelo que consta, pagando em dia. Portanto, não faltam certidões.
Está em curso, na pobre Cambuci, a guerra de retórica, aqueles períodos em que verdade, delírio e suposições fazem ménage à trois. Nesses enlaces pós-modernos (muito embora a modernidade ainda passe a léguas de distância da cidade), não há limites.
O que se presume, é que o prefeito criou uma situação para sufocar a instituição financeiramente e em seguida justificar um ato de apropriação, já que a inadimplência provocou desiquilíbrio orçamentário e greves de profissionais, afetando o atendimento. Só que a administração pública segue ritos e deve obediência aos ordenamentos. A família Mello em Cambuci atropelou os ritos e mandou o ordenamento às favas, porque uma situação jurídica consolidada, como é o caso envolvendo a associação mantenedora do Hospital e o Município não se quebra com uma simples requisição. O judiciário existe para arbitrar conflitos e o prefeito assumiu esta tarefa usando o pêndulo em seu favor, é claro.
“Desde que a prefeitura tomou posse de fato da administração do hospital, mesmo diante da ilegalidade, os gestores municipais passam a responder pelos prazos decorrentes de qualquer pedido de informação e por qualquer documento que venha a desaparecer”, destaca o advogado Francisco Lins, que advoga no caso juntamente com o advogado e ex-deputado José Maurício Linhares.
A cidade está diante dos atropelos jurídicos e de uma seca sem precedentes nas últimas décadas. Se as terras estão inapropriadas para o cultivo, no terreno político estão férteis para que a justiça se imponha e mostre que esta cidade não é terra de Malboro. Surge também a grande oportunidade para mexer no ninho de nepotismo que foi construído na administração municipal. É mais uma afronta a legislação e aos órgãos de controle externo, só que este tema merece um enfoque diferenciado.