‘Os prefeitos podem fazer demissões’, declara presidente do TCE
Para Jonas Lopes, eles incharam a máquina e precisam demitir até concursados
JONAS LOPES: Faltou gestão e sobrou preguiça fiscal. Este é o mal de todos os municípios. As prefeituras não colocam fiscais nas ruas porque não precisam. Contam com royalties e repasses de verbas federais e estaduais. Os recursos dos royalties têm destinação específica, não têm tanta flexibilidade. Já com a Participação Especial (indenização sobre a produtividade dos poços de petróleo) é possível pagar pessoal não-estável. Com isso, muitas prefeituras incharam demais a máquina pública, contratando temporários ou em cargos de comissão. Em 2014, fizemos uma auditoria que constatou que exorbitaram desta possibilidade legal. Cabo Frio é uma delas. Botaram gente demais na rua (cerca de 4 mil, em março) porque botaram gente demais para dentro (14 mil). Se descuidaram assustadoramente das contas públicas porque não faltava dinheiro.
A receita do bolo está aí. A cobrança de ISS não é feita.Encontramos plantas de IPTU ultrapassadas. Onde havia terrenos, hoje existem prédios com apartamentos. Isso gera também ITBI que não é recolhido. O que sustenta o município é a arrecadação própria. Mas apenas 15,8% da receita das cidades de 2010 a 2014 é própria.
O senhor acha que os municípios fazem vista grossa para a fiscalização de impostos municipais por conta desta dependência?
Existe uma completa ausência de fiscalização do ISS. Havia uma cobrança pífia dos bancos. É muito imposto que não entra, deixa de ser cobrado. Em 46 municípios, os fiscais de tributos são desviados de função. Em 40 o trabalho é feito por agente incompetetente e em 12 não há sequer fiscais.
Com relação aos contratos irregulares, o que a auditoria mostrou?
Onze municípios estavam acima do limite, 23 no limite potencial e todos os demais no grupo de alerta. Em Guapimirim, 74% dos servidores são extraquadro, em Arraial do Cabo, 73%, e em Cambuci, 72%. Muitos municípios usam politiqueiramente as brechas da legislação para contratar acima do permitido. Contratos especiais por prazo determinado se tornam indeterminados e não se organizam concursos.
Há um modelo de prefeitura que hoje cumpra o que determina a Lei de Responsabilidade Fiscal?
Aperibé, no Noroeste. É um dos menores municípios do estado, lá na divisa com Minas, com economia pequena e poucos recursos, mas que fecha suas contas. Diferentemente de Cabo Frio, onde se foi contratando, por tempo determinado, e tem 10 mil contratados. Era uma farra de dinheiro entrando.
E qual é a saída?
Prefeitos do Noroeste vieram me visitar e perguntaram o que fazer diante da crise. Respondi que eles podem, inclusive, demitir servidores, mesmo concursados. A legislação permite isso. Só nas prefeituras da regiãotem mais de 2 mil pessoas para colocar para fora. Eles têm que fazer o dever de casa. Não adianta ficar de braços cruzados. O dinheiro não é do prefeito, é do município. O próprio estado não faz o seu dever de casa em relação ao ICMS e só agora quer correr atrás dos devedores. É muita inércia do poder público.
Alguém se beneficia com isso?
Não falamos em corrupção. Tratamos todos como regulares, até encontrar alguma irregularidade.
Como coibir tantas irregularidades?
Temos feito auditorias em prefeituras e câmaras em todos os 91 municípios. Chegamos a encontrar um médico que tinha matrículas em oito municípios diferentes. Identificamos também pagamento de remuneração acima do teto sem lei específica que ampare em 57% dos municípios. Criamos mecanismos de fiscalização ultramodernos, mas a cada um que é criado, criam-se outros para burlar. É uma briga de gato e rato. Mas temos elevado a efetividade do TCE. Saltamos de 200 para 800 auditorias/ano, graças ao cruzamento de informações com outros órgãos, como receita, Detran, Jucerja, Sisob.
O senhor acredita no risco de uma quebradeira geral dos municípios?
Eu não vejo esse risco. Não é essa crise que se apresenta, nem em nível de estado, nem de municípios. A arrecadação cai, mas continua entrando. É preciso saber gerir. O que houve é uma crônica da tragédia anunciada. A máquina pública é muito pesada.
E agora que ‘arrombou a porta’, o que fazer?
A crise impactou os municípios, mas cabe ao TCE fiscalizar. Eu não sou o vilão. Tenho que fazer cumprir a lei. Tem que corrigir, o município tem que se virar, fazer concurso público, reforma administrativa. Entendemos que o concurso não é rápido.
Depois deste ‘choque de realidade’, os municípios vão se adequar e os eleitos em 2016 encontrarão prefeituras mais enxutas e eficazes?
Com certeza os novos prefeitos vão pensar duas vezes antes de gastar. Porque um bom gestor não é o que faz muita escola, creche, hospital, rua. A obra tem que ser sustentável.
O que o TCE tem feito para ajudar municípios em crise?
Temos uma Escola de Contas e Gestão, que oferece cursos gratuitos para qualquer servidor público e inclusive vai ao interior, montando cursos em cidades-pólo. O TCE oferece orientação e muitos estão fazendo o dever de casa.