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quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Acidentes de motos com crianças no Rio disparam


 O tamanho ainda impede que alcancem com firmeza o apoio da motocicleta. Mas isso não é problema para os pais que passam por cima de todos os riscos para garantir o menor tempo possível entre a garagem de casa e o portão da escola. Com mochila nas costas e agarradas ao condutor — como se no trânsito agressivo do Rio o ato significasse realmente proteção —, crianças enfrentam os perigos dos estreitos corredores formados nos engarrafamentos e o tráfego intenso nos horários de entrada e saída dos colégios. As estatísticas de acidentes com motos parecem não intimidar quem lança mão da estratégia rápida. Além de liderar os números do seguro DPVAT, as motocicletas também têm feito mais crianças e adolescentes vítimas de acidentes na cidade. O Corpo de Bombeiros registrou um crescimento de 59% no número de ocorrências com menores sobre duas rodas entre janeiro e setembro deste ano em comparação com o mesmo período de 2012.
Foram 121 casos nos primeiros nove meses de 2013 contra 76 em 2012. Os números não dizem de onde são as vítimas, mas basta percorrer os colégios mais caros da cidade para ver que as motocicletas não conquistaram somente moradores de comunidades pobres, onde são comprovadamente uma febre. Caio de Souza Santos, de 11 anos, é aluno do Colégio Cruzeiro, no Centro, e mora na Tijuca. O pai do menino, o empresário Gustavo Adolfo dos Santos, de 39 anos, conta que roda com o filho na garupa, diariamente, 70 quilômetros.
A moto está tão ligada à rotina dos dois que a criança já se acostumou a carregar toda a parafernália necessária — capa, capacete, bota e luvas — e, em dias de chuva, a praticamente trocar de roupa na porta da escola. A opção pelo transporte foi feita pela família há dois anos, quando Caio trocou de colégio.
— Não fosse a moto, ele teria que sair bem mais cedo de casa. Além disso, não daria para fazer a escolinha de futebol em Botafogo, por exemplo. Sei do perigo, mas é um mal necessário. E sempre converso com ele sobre os riscos — explica o pai.
Idade mínima pode subir de 7 para 11 anos
Caio aprendeu a gostar de moto ("é muito legal”) e, sentindo-se gente grande, até tira onda com os amigos. Ele já passou da idade mínima permitida para menores andarem na garupa da motocicleta, mas o assunto é polêmico. De acordo com o Código de Trânsito Brasileiro (CTB), a idade mínima para transporte de menores em motos é 7 anos. A desobediência é considerada infração gravíssima, sujeita à multa e à suspensão do direito de dirigir. Mas um projeto de lei já aprovado pela Comissão de Viação e Transporte da Câmara dos Deputados, em Brasília, pretende elevar a idade mínima para 11 anos. A iniciativa partiu da Associação dos Motociclistas do Estado do Rio de Janeiro (Amor-RJ) e está sendo analisada pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado Federal.
— A proposta do projeto foi elaborada a partir de pesquisas de acidentes que fizemos. Uma criança de 7 anos não tem altura para alcançar a pedaleira e apoiar os pés. Isso acarreta tombos, um atrás do outro — argumenta o presidente da Amor-RJ, Aloísio Braz.
Na avaliação dele, a moto ganha espaço por causa de um vácuo deixado pelo transporte público:
— E tem ainda o alto custo do transporte escolar e a facilidade no trânsito. Só que existe o risco. Temos conhecimento de acidentes horríveis. E muitos pais, por incrível que pareça, amarram a criança na cintura, o que aumenta ainda mais os riscos.
A lentidão do trânsito no Rio aumenta a procura pelas motos. Onde há concentração de escolas, como na Rua Marques de São Vicente, na Gávea, e na Rua Cosme Velho, o vaivém de crianças sobre o veículo é cena comum.
— A atenção tem que ser redobrada, ainda mais com ela na garupa. Mas compensa. Não aguentava mais perder quase uma hora para levar e buscar minha filha no colégio — justifica o arquiteto Sérgio Lima, que diariamente vai levar e buscar a filha Sofia, de 10 anos, na escola, em Botafogo. — Já sou motociclista há muito tempo e, quando ela completou 7 anos, passei a levá-la de moto.
As ocorrências envolvendo motocicletas representaram 72% de todas as indenizações pagas pelo seguro DPVAT (que indeniza vítimas de acidentes de trânsito) no primeiro semestre deste ano. A alta incidência é ainda mais preocupante porque as motos correspondem a apenas 27% da frota nacional. Os automóveis, que são mais de 60% da frota, foram responsáveis por 23% dos benefícios pagos. Em 2012, ainda de acordo com dados da seguradora, a faixa etária entre 7 e 10 anos era a que tinha maior incidência de morte e invalidez entre crianças.
Chance de lesão é de 99% em caso de acidente
Fernando Pedrosa, membro titular da Câmara de Educação e Cidadania do Conselho Nacional de Trânsito, chama a alternativa de arriscada:
— É como trocar o congestionamento pelo risco absoluto, independentemente de ser criança ou adulto. A moto é um veículo mais perigoso, e qualquer choque tem 99% de chance de resultar em alguma lesão, quando não na morte, mesmo em baixa velocidade. É quase uma roleta-russa. E sendo uma opção de pais preocupa mais ainda, por colocar em risco a vida do bem mais precioso.
Ele é a favor do projeto de lei que pretende aumentar a idade mínima:
— A preocupação é muito grande com a disseminação da motocicleta no Brasil. Hoje uma moto de baixa cilindrada custa muito barato. O nordestino, por exemplo, está trocando o jegue pela moto. Isso tem elevado os índices de acidentes e preocupa.
Eva Vider, professora de engenharia de transporte da UFRJ, também defende que quanto maior a criança mais seguro é o transporte em moto. Mas acredita que, com os devidos cuidados e em trajetos curtos, a moto pode ser uma opção para driblar o trânsito
— Do ponto de vista da segurança, e dependendo da distância, é uma alternativa para fugir do congestionamento. Mas é preciso pilotar a moto com enfoque na segurança, tomando bastante cuidado. E comprar todos os equipamentos de segurança para a criança. Sendo assim, não vejo problema. É preciso atenção redobrada e escolher rotas bem seguras — observa.

Materia O GLOBO

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