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terça-feira, 31 de agosto de 2021

Vacinas contra a Covid produzidas na África são exportadas para a Europa

 


 

O imunizante contra a Covid-19 da Johnson & Johnson deveria ser uma das armas mais importantes da África contra o coronavírus. A empresa com sede em Nova Jersey concordou em vender sua vacina de dose única em quantidade suficiente para inocular um terço dos residentes do continente. E seria produzida em parte por um fabricante sul-africano, o que aumentava as esperanças de que as doses chegariam rapidamente aos africanos. Isso não se tornou realidade.

A África do Sul ainda está esperando para receber a esmagadora maioria dos 31 milhões de doses de vacina que encomendou à Johnson & Johnson. O país administrou apenas cerca de dois milhões de doses. Essa é uma das principais razões pelas quais menos de sete por cento dos sul-africanos estão totalmente vacinados e o país foi devastado pela variante delta.

Ao mesmo tempo, a Johnson & Johnson está exportando milhões de doses que foram envasadas e embaladas na África do Sul para distribuição na Europa, de acordo com executivos da Johnson & Johnson e do fabricante sul-africano Aspen Pharmacare, além dos registros de exportação do governo sul-africano revisados pelo "The New York Times".

Glenda Gray, cientista sul-africana que ajudou a liderar o teste clínico da Johnson & Johnson no país, disse que as empresas precisavam priorizar o envio de doses para nações mais pobres envolvidas em sua produção: "É como se um país estivesse cozinhando para o mundo e visse seus pratos sendo enviados para outros locais cheios de recursos enquanto seus cidadãos passam fome."

Muitos países ocidentais mantiveram doses fabricadas internamente para si mesmos. Isso não foi possível na África do Sul por causa de uma estipulação incomum no contrato do governo com a Johnson & Johnson este ano. O documento confidencial, revisado pelo "The Times", exigia que a África do Sul renunciasse a seu direito de impor restrições à exportação de doses de vacinas.

Popo Maja, porta-voz do Ministério da Saúde da África do Sul, afirmou que o governo não estava satisfeito com as exigências do contrato, mas não tinha como as recusar. "O governo não teve escolha. Assine o contrato ou não terá a vacina", declarou em comunicado.

A Johnson & Johnson já planejara que algumas vacinas produzidas pela Aspen deixassem a África, mas nunca revelou quantas doses estava de fato exportando. Os registros de exportação revisados pelo "The Times" mostram que foram enviados 32 milhões de doses nos últimos meses, embora esse não seja o número completo a deixar a África do Sul.

Segundo um porta-voz do Ministério da Saúde alemão, em abril a Alemanha recebeu doses produzidas pela Aspen. Em junho e julho, a Espanha recebeu mais de 800 mil doses, de acordo com o Ministério da Saúde do país.

A situação é complicada em toda a África. Embora vários países do continente tenham recentemente recebido pequenas remessas iniciais de doses da Johnson & Johnson, isso é uma fatia dos 400 milhões que a União Africana encomendou ou tem a opção de encomendar para seus países-membros. Cerca de dois por cento dos africanos estão totalmente vacinados.

O diretor científico da Johnson & Johnson, dr. Paul Stoffels, disse que a fábrica Aspen faz parte de uma rede de produção na qual as vacinas são rotineiramente enviadas entre os países para fabricação, inspeção de qualidade e distribuição. "Fizemos o possível para priorizar a África do Sul o máximo que pudemos." Ele observou que a Johnson & Johnson no início deste ano forneceu cerca de 500 mil doses para vacinar os profissionais de saúde sul-africanos, acrescentando que a fábrica de Aspen forneceria doses exclusivamente para países africanos ainda este ano.

A Aspen é responsável pela etapa final da produção da vacina, processo conhecido como "encher e fechar". A empresa recebe quantidades em massa da vacina, envasa-a em frascos e depois a embala para inspeções finais e entrega.

Algumas das doses da Aspen nunca foram usadas por causa do temor de que pudessem ter sido contaminadas na fábrica de Baltimore, em Maryland, encarregada da primeira fase de produção, de acordo com executivos da Johnson & Johnson e da Aspen. Os problemas naquela fábrica, administrada pela Emergent BioSolutions, prejudicaram os suprimentos de vacinas da Johnson & Johnson, levando a empresa a atrasar as encomendas em todo o mundo.

Stephen Saad, executivo-chefe da Aspen, culpou a fábrica da Emergent pela falta de doses na África do Sul. Ele disse que a Aspen não pode controlar o destino final de suas doses, mas que gostaria que tudo ficasse na África.

A Aspen agora está envasando doses que foram feitas em uma fábrica na Holanda, com 40 por cento delas indo para a Europa e os 60 por cento restantes, para a África até o fim de setembro.

A campanha de vacinação da África do Sul foi acelerada nas últimas semanas, graças em grande parte às doses da Pfizer encomendadas pelo governo e às vacinas doadas pelos Estados Unidos. Mas apenas cerca de quatro milhões dos 60 milhões de residentes do país estão totalmente vacinados.

Isso deixou a população vulnerável quando uma terceira onda de casos se espalhou pelo país. Às vezes, nos últimos meses, dezenas de pacientes com Covid-19 no Hospital Helen Joseph, em Johannesburgo, esperavam no pronto-socorro por um leito, e a infraestrutura do hospital teve dificuldade de manter os enormes volumes de oxigênio destinados aos pacientes, segundo o dr. Jeremy Nel, médico de doenças infecciosas. "A terceira onda, no que se refere à quantidade de morte que vimos, foi a mais dolorosa, porque era a mais evitável. Você vê pessoas morrendo às dezenas, todas elegíveis para uma vacina, que teriam sido as primeiras a obtê-la."

Críticos apontam que o governo da África do Sul é o culpado pela baixa taxa de vacinação. No início, a administração contava com o recebimento do material com o apoio das Nações Unidas, mas houve atraso nas entregas. O país demorou a iniciar negociações com os fabricantes para adquirir as próprias doses. Em janeiro, um grupo de especialistas em vacinas alertou que a "falta de previsão" do governo poderia causar "a maior falha provocada pelo homem na proteção da população desde a pandemia da aids".

O acordo da Johnson & Johnson com a Aspen foi anunciado em novembro. A instalação da Aspen em Gqeberha, na costa sul da África do Sul, foi o primeiro local na África a produzir vacinas contra a Covid-19. (Outras empresas depois anunciaram planos para produzir vacinas no continente.)

A vacina da Johnson & Johnson se tornou ainda mais importante em fevereiro, quando os resultados de um estudo clínico sugeriram que a da AstraZeneca oferecia pouca proteção contra infecções leves ou moderadas causadas pela variante beta, que estava circulando na África do Sul.

Semanas depois, a Johnson & Johnson e o governo assinaram um contrato de 11 milhões de doses. A África do Sul pediu mais 20 milhões em abril.

Segundo o contrato, o país concordou com a compra de 11 milhões de doses a US$ 10 cada. Esse foi o mesmo preço que os Estados Unidos pagaram e pouco mais do que os US$ 8,50 que a Comissão Europeia concordou em pagar. O contrato sul-africano impedia o governo de proibir as exportações da vacina, citando a necessidade de as doses "atravessarem livremente as fronteiras nacionais".

O contrato dizia que a Johnson & Johnson entregaria 2,8 milhões de doses à África do Sul até o fim de junho, outras 4,1 milhões até o fim de setembro, e mais 4,1 milhões até o fim de dezembro. (O governo espera que as 20 milhões de doses adicionais sejam entregues até o fim deste ano, afirmou Maja.)

Até agora, a empresa está muito aquém dessas metas. A dificuldade na aquisição de doses revelou os limites das fábricas de envasamento locais, que deixam os países dependentes das vacinas de lugares como a União Europeia ou os Estados Unidos, de acordo com o dr. Salim Abdool Karim, que até março era copresidente do comitê consultivo ministerial da Covid-19 da África do Sul. "Em última análise, a solução para nosso problema tem de ser a fabricação própria de vacinas", afirmou ele.

c. 2021 The New York Times Company

 


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