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segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

Médicos fazem cirurgias de coração com material vencido para lucrar



Fantástico mostra novas denúncias envolvendo a máfia das próteses. O CFM defende uma tabela para os preços de próteses e implantes.

O Fantástico mostra novas denúncias envolvendo a máfia das próteses. Além das operações desnecessárias, médicos chegam a usar material vencido, só para ganhar comissão. E, o que é mais chocante: desta vez, as cirurgias são no coração dos pacientes. A reportagem é de Giovani Grizotti.
“Eles correm risco de vida. Eles podem morrer. Porque a partir do momento que você coloca um produto que tem uma droga que está vencida, ele pode ir a óbito”, diz uma testemunha.
“São hospitais que colocam dois, três stents num paciente sem necessidade. Fazem as análises, veem que tem apenas uma obstrução e colocam dois ou três apenas pra ter uma comissão maior”, conta outra testemunha.
Essas são testemunhas de um esquema que coloca em risco a vida de pacientes com problemas cardíacos em troca de dinheiro.
Os stents são tubos metálicos usados para expandir os vasos sanguíneos entupidos do coração e normalizar a circulação. Em muitos casos, são a única saída para evitar um infarto. E uma fonte de lucro para médicos inescrupulosos. Veja o que diz um ex-funcionário de uma distribuidora desse tipo de implante do Rio Grande do Sul:
“Cada stent, o médico chegava a ganhar até R$ 3 mil, R$ 3,5 mil, R$ 4 mil. Então, tu imagina ele colocando dez stents num mês, ele ganhava R$ 35 mil, R$ 40 mil. Somando 12 meses, ele ganhava R$ 480 mil por ano. Tudo em dinheiro vivo, fora de taxas, não declarado”.
O cardiologista Fernando Sant’Anna decidiu investigar a real necessidade do uso de stents. “Nós estudamos 250 pacientes e foram 451 obstruções, 451 entupimentos”.
Neste universo pesquisado, ele chegou à conclusão de que 22% dos implantes de stent são desnecessários.
Em Itajaí, Santa Catarina, um crime pior ainda. Uma mulher trabalhou para um distribuidor de implantes e diz que pacientes de um hospital receberam stents com prazos de validade vencidos.
“Se está próximo do vencimento ou está vencido, esse valor ele aumenta. Maior é o valor da propina. No final do mês ele pode ter de R$ 20 mil a R$ 30 mil de salário extra”, conta.
Ela entregou ao Fantástico cópias de mensagens e planilhas que detalham as comissões pagas a um médico do hospital. Procurada, a direção abriu uma sindicância, ainda em andamento, e confirmou que dois pacientes receberam stents vencidos.
“Jamais esperávamos que uma situação dessa pudesse ter acontecido. Os pacientes estão sendo acompanhados periodicamente pelos médicos cardiologistas clínicos”, explica Zilda Bueno, assessora jurídica do hospital.
“Essa utilização de stents com prazo de validade vencido pode obstruir o stent, levando à ineficácia da colocação desse stent, podendo acarretar, óbvio, consequências de caráter irreversível e até óbito”, alerta Carlos Vital, presidente do Conselho Federal de Medicina.
Em Uberlândia, Minas Gerais, marcapassos eram colocados, sem necessidade, nos corações dos pacientes. Os fornecedores dos materiais pagavam comissões para os médicos.
Fantástico: Quais eram os valores desses marcapassos e a que percentuais chegavam essas comissões?
Carlos Henrique Cota D’Ângelo, delegado da Polícia Federal de Uberlândia: Era realmente uma fonte de recurso muito boa, porque produto de até R$ 80 mil chegava-se a porcentagens de até 50% desse produto, colocado em grande quantidade.
“Outros tipos de procedimento poderiam ter sido feitos pra que se evitasse a colocação do marcapasso”, avalia o procurador da República Frederico Pellucci.
No Brasil, as comissões contribuem para encarecer os implantes.
“Na Europa, um stent farmacológico ele é comercializado a 300 euros, mais ou menos. Já no Brasil, o valor praticado é no mínimo R$ 8 mil, e pode chegar a até R$ 13 mil, R$ 14 mil”, afirma o procurador da República de Urbelândia Cléber Eustáquio Neves.
O procurador de Uberlândia investiga abuso de poder econômico no preço das próteses. As notas fiscais obtidas revelam uma diferença muito alta entre a compra e a venda. Um parafuso usado em cirurgias de coluna custou ao distribuidor de Minas Gerais o equivalente a R$ 260. Em Porto Alegre, ele foi vendido por quase R$ 4 mil, uma diferença de 1.438%.
O Conselho Federal de Medicina defende uma tabela para os preços de próteses e implantes. “Isso vai coibir a exorbitância de lucro que inclusive levam à possibilidade de maior oferta de propinas”, diz Vital.
Nos Estados Unidos, o jornal The New York Times, um dos mais importantes do mundo, publicou no mês passado uma reportagem sobre uma gigante no mercado de próteses. A Biomet, desde 2012, é investigada pelo pagamento de propinas para médicos no México e no Brasil. Aqui, a Biomet é fornecedora de próteses e outros materiais para a Intelimed.
No domingo passado, o Fantástico mostrou que a Intelimed paga comissões de até 20% aos médicos que indicam seus produtos.
Fantástico: Como é que vocês tão trabalhando comercialmente?
Vendedor: Depende das linhas, né? Depende das linhas, 15%, 20%.
A empresa fornece próteses para o doutor Fernando Sanchis. Como foi mostrado semana passada, o esquema de liminares usa documentos falsos para obrigar governo e planos de saúde a pagarem por operações superfaturadas.
Daniela de Castro Nicheli diz ser uma das vítimas do doutor Sanchis e está processando o médico.
“Eu tenho muita dor. E eu perdi o movimento do pé. Eu não tenho força no pé e nem o movimento normal”, afirma.
Ela ficou com dificuldades para caminhar. “Eu não posso dirigir, eu não posso sair com o meu filho para passear”.
Na segunda-feira, o Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul abriu sindicância contra Fernando Sanchis. Os hospitais em que ele atuava também vão investigá-lo.
Durante a semana, o Fantástico recebeu dezenas de denúncias contra a máfia das próteses. No Rio de Janeiro, o médico Marcelo Paiva Paes de Oliveira passou por uma operação de coluna há mais de um ano:
“Existem três laudos médicos dizendo que a indicação cirúrgica foi uma indicação mal feita e que na verdade atendeu a interesses financeiros. Minha cirurgia custou só de parafuso, seis parafusos, R$ 208 mil”.
Na sexta-feira, o Conselho Regional de Medicina do Rio abriu um processo contra o cirurgião que operou Marcelo.
Em alguns casos, o descalabro começa mesmo antes da cirurgia. A empresa pernambucana Intraview, de equipamentos de diagnóstico por imagem, superfatura a venda.
“A gente pode botar um preço maior e fica um negócio legal pra você. Pra cima, o céu é o limite”, oferece o vendedor.
No mercado de próteses, havia certeza de impunidade. “Ninguém vai investigar, ninguém vai dar bola. Isso acontece há mais de 12, 13, 14 anos”, diz uma testemunha.
“Uma profissão tão nobre quanto a medicina não comporta as pessoas atuarem dessa maneira. Se preciso for, cassar o registro profissional deles”, diz Florentino Cardoso, presidente da Associação Médica Brasileira.
Depois das denúncias do Fantástico, CPIs foram propostas na Câmara dos Deputados e na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul. O governo federal anunciou, na segunda-feira, a criação de uma força-tarefa com o Ministério da Saúde, Receita e Polícia Federal para fazer uma devassa no mercado negro das próteses.
O vendedor diz que tem medo de virar nome de uma operação da PF. “Eu não quero tá com o nome em operação nenhuma dessas aí”.
Justamente o que o governo pretende fazer.
“Nós estamos declarando guerra com toda a nossa força”, garante o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo.
“Eles não estão preocupados com o paciente. Eles estão preocupados quanto eles vão receber no final. Pra eles o que importa é, no dia 30 de cada mês, quanto eles têm pra receber”, afirma uma testemunha.

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